Caros colegas, segue abaixo o relato de quem teve sua casa invadida por marginais armados na noite do último domingo e constatou na pele que Sergipe é o Estado do Nordeste que mais investe em Segurança Pública. Aberto à publicações e estamos à disposição para mais informações. Conto com o apoio de todos vocês.
Grande abraço a todos,
AS ASAS DOURADAS FORAM ROUBADAS DO NOSSO PAPAGAIO
*Grace Melo
Estou agora diante de uma folha em branco na tela de meu computador. O objetivo é escrever um artigo sobre a noite de horrores sofrida por mim, meu marido, primo e amigos na madrugada do último domingo, 15 de março de 2009, às vésperas do aniversário de Aracaju. Escrevo a pedidos; que inspiração posso ter para contar uma estória dessas? Mas ela tem que ser contada. Não é a minha estória: é sua, do seu vizinho, de um amigo, é a história de muitos aracajuanos, sergipanos, é a estória que está sendo contada por milhares de brasileiros todos os dias nas delegacias de nosso país. Será que é possível colocar no papel todos os sentimentos? Não, impossível descrever tal situação. Só quem já foi rendido por bandidos dentro de casa com armas de fogo apontadas para suas cabeças poderia ter uma idéia do que se passa, não apenas na mente, mas no fundo da alma de quem pensa estar prestes a perder a vida.
Estávamos reunidos na varanda de nossa casa de praia localizada no loteamento Beira Mar, logo depois do antigo clube da telergipe. A noite era especial, pois iríamos nos despedir dos nossos amigos gaúchos e catarinenses que vieram à Aracaju para a festa de formatura de um dos meus primos. Essa noite transcorria tranqüilamente como as anteriores. Durante a semana ficávamos a jogar conversa fora na varanda até duas, três da manhã. Falamos muito sobre as boas lembranças que os nossos amigos levariam da nossa terra: “vocês vivem no paraíso!”, dizia o gaúcho Rodolfo poucos minutos antes das 00:45 horas, horário em que recebemos a visita de dois espectros, dois marginais, assaltantes fortemente armados. Como descrever algo desse tipo? Você está em sua casa, conversando alegremente com amigos quando, repentinamente dois monstros completamente encapuzados, com roupas compridas lhe apontam revólver, pistola e fazem todo tipo de ameaça? Não, nem o melhor dos escritores poderia colocar em poucas linhas tudo o que vem à cabeça nesse instante. Quanto tempo durou o assalto? Uns 10, 20 minutos? Não, uma eternidade.
Ódio, medo, raiva, desprezo, tristeza, pânico, sentimento de impotência e a certeza que, na melhor das hipóteses, aquelas sombras noturnas e seus corpos completamente encobertos por molambos levariam todos os nossos bens materiais possíveis; coisas que, recuperaremos brevemente, não haja dúvida. E o valor sentimental? Nosso casal de amigos sulistas casa-se em novembro. Perderam além de muitíssimas outras coisas, o símbolo do amor nascente: um par de alianças H. Stern avaliadas em quase três mil reais e que estavam a venda na praia no mesmo domingo por cinqüenta, cem reais. E o anel de formatura que o biólogo recém-formado sequer deu-se ao luxo de usar? Notebook, câmeras digitais, telefones celulares, anel de formatura, dinheiro, roupas... Quantos séculos se passaram até que aquelas coisas se satisfizessem materialmente? E depois de nos levarem quase tudo, quais as garantias de que iriam nos deixar em paz?
A culpa deve ser toda nossa mesmo, afinal, a casa havia sido invadida há apenas dois meses, pela quarta vez desde que foi comprada pela família. O problema é que nunca com pessoas dentro, mas, normalmente quando estava vazia, quando passava semanas trancada e sem que ninguém aparecesse por lá. Mas daí a esperar por uma invasão à mão armada com todos dentro de casa? Quatro homens e duas mulheres? Não, nem eu, nem cidadão nenhum tem que esperar por isso.
Continuamos a freqüentar normalmente a casa que, está sempre repleta de crianças. Se tivéssemos uma bola de cristal jamais permitiríamos que nossa querida amiga Jaque entrasse em estado de choque, sem conseguir parar de chorar por toda madrugada. Foi ela que teve de arrumar tudo para entregar a um dos bandidos enquanto o restante de nós estava deitado na sala com uma arma apontada para as nossas cabeças. “Fiquem tranqüilos, agente só quer dinheiro, nóis é gente de boa, nóis é fugitivo sofredor...” grunhia o assaltante. Enquanto isso o comparsa ameaçava nos trancar no banheiro e ficar com minha amiga catarinense, um doce de pessoa, a personificação da alegria, a mais encantada com nossa terra. Foi embora no dia seguinte sem dormir, ainda aos prantos, inconsolável em um retorno inesquecível para sua terra mãe. Que vergonha Senhor, que vergonha!
Os marginais se fartaram, deveriam estar felizes com a quantidade de tranqueiras e de dinheiro arrecadado. Discutiram um pouco e resolveram partir sem agressões físicas. De acordo com um dos policiais que veio em nosso socorro logo em seguida “foi muita sorte. Semana passada invadiram ‘aquela casa ali’, trancaram os homens e estupraram as duas meninas que estavam na piscina”. Em nosso caso o episódio terminou sem seqüelas físicas. Já as psicológicas... Quando resolveram que bastava, prenderam todos no banheiro, fizeram suas últimas ameaças da noite e desapareceram no meio da madrugada levando muito mais que nossos bens materiais.
De acordo com a comunicação oficial do governo, Sergipe é o Estado do Nordeste que mais investe em segurança pública: desde o início de 2007 e até o início deste ano, foram 38 milhões de reais para esta área. Carros, equipamentos, armas, capacitação, tecnologia, coletes, etc. Porque é que o cidadão não consegue constatar esse investimento no cotidiano? “Cadê a segurança pública”, se perguntam a todo tempo. Quero registrar aqui que a polícia estava na casa quinze minutos depois de ser acionada. Nota 10 para os policiais prestativos que saíram em busca dos bandidos e nos atenderam primorosamente. Mas porque precisamos chamar a polícia? A segurança pública deveria prevenir e não apenas solucionar, se é que o caso será solucionado um dia. Falar de um Estado seguro é muito fácil para quem vive em coberturas luxuosas e cercado por seguranças particulares 24 horas por dia.
Outra coisa: investir no turismo pra quê? Eles lêem as tais publicidades do governo nas revistas Veja, Contigo, Fluir. Resolvem vir conhecer nossa terra e o receptivo é feito por assaltantes e estupradores. Não irei mencionar aqui os assaltos ocorridos na casa de minha mãe nos últimos três anos. Ela viveu vinte dos 84 anos de idade no bairro Pereira Lobo sem saber o que era uma cerca elétrica; essa coisa horrorosa que também se tornará parte da minha vida e da dos meus filhos assim que venha o nascer do próximo dia útil. A pergunta que faço é: até quando teremos que viver trancafiados em nossos presídios particulares?
Foi-se o encanto, a felicidade de uma semana inteira de comemorações, ficou o vazio, o desencanto com uma casa que por mais de cinco anos foi palco de infindáveis histórias felizes, dentre elas o primeiro sorriso de meu amado pai (in memorian) ao anunciar a compra de tão desejado bem. Foi-se o crer em uma cidade tranquila, em um Estado que diz tanto investir em segurança pública. Roubaram do meu papagaio as ‘asas douradas’ cantadas por nosso querido Antônio Carlos; o caju perdeu o doce. Poderemos voltar a freqüentar a nossa própria casa? Não. A placa de venda já deverá ter sido arrancada pelo próximo proprietário antes que você termine de ler este desabafo.
* Jornalista e especialista em Assessoria de Comunicação e Imprensa, graduanda em Letras Português - Inglês. É também editora do blog Cajueiros e Papagaios
Grande abraço a todos,
AS ASAS DOURADAS FORAM ROUBADAS DO NOSSO PAPAGAIO
*Grace Melo
Estou agora diante de uma folha em branco na tela de meu computador. O objetivo é escrever um artigo sobre a noite de horrores sofrida por mim, meu marido, primo e amigos na madrugada do último domingo, 15 de março de 2009, às vésperas do aniversário de Aracaju. Escrevo a pedidos; que inspiração posso ter para contar uma estória dessas? Mas ela tem que ser contada. Não é a minha estória: é sua, do seu vizinho, de um amigo, é a história de muitos aracajuanos, sergipanos, é a estória que está sendo contada por milhares de brasileiros todos os dias nas delegacias de nosso país. Será que é possível colocar no papel todos os sentimentos? Não, impossível descrever tal situação. Só quem já foi rendido por bandidos dentro de casa com armas de fogo apontadas para suas cabeças poderia ter uma idéia do que se passa, não apenas na mente, mas no fundo da alma de quem pensa estar prestes a perder a vida.
Estávamos reunidos na varanda de nossa casa de praia localizada no loteamento Beira Mar, logo depois do antigo clube da telergipe. A noite era especial, pois iríamos nos despedir dos nossos amigos gaúchos e catarinenses que vieram à Aracaju para a festa de formatura de um dos meus primos. Essa noite transcorria tranqüilamente como as anteriores. Durante a semana ficávamos a jogar conversa fora na varanda até duas, três da manhã. Falamos muito sobre as boas lembranças que os nossos amigos levariam da nossa terra: “vocês vivem no paraíso!”, dizia o gaúcho Rodolfo poucos minutos antes das 00:45 horas, horário em que recebemos a visita de dois espectros, dois marginais, assaltantes fortemente armados. Como descrever algo desse tipo? Você está em sua casa, conversando alegremente com amigos quando, repentinamente dois monstros completamente encapuzados, com roupas compridas lhe apontam revólver, pistola e fazem todo tipo de ameaça? Não, nem o melhor dos escritores poderia colocar em poucas linhas tudo o que vem à cabeça nesse instante. Quanto tempo durou o assalto? Uns 10, 20 minutos? Não, uma eternidade.
Ódio, medo, raiva, desprezo, tristeza, pânico, sentimento de impotência e a certeza que, na melhor das hipóteses, aquelas sombras noturnas e seus corpos completamente encobertos por molambos levariam todos os nossos bens materiais possíveis; coisas que, recuperaremos brevemente, não haja dúvida. E o valor sentimental? Nosso casal de amigos sulistas casa-se em novembro. Perderam além de muitíssimas outras coisas, o símbolo do amor nascente: um par de alianças H. Stern avaliadas em quase três mil reais e que estavam a venda na praia no mesmo domingo por cinqüenta, cem reais. E o anel de formatura que o biólogo recém-formado sequer deu-se ao luxo de usar? Notebook, câmeras digitais, telefones celulares, anel de formatura, dinheiro, roupas... Quantos séculos se passaram até que aquelas coisas se satisfizessem materialmente? E depois de nos levarem quase tudo, quais as garantias de que iriam nos deixar em paz?
A culpa deve ser toda nossa mesmo, afinal, a casa havia sido invadida há apenas dois meses, pela quarta vez desde que foi comprada pela família. O problema é que nunca com pessoas dentro, mas, normalmente quando estava vazia, quando passava semanas trancada e sem que ninguém aparecesse por lá. Mas daí a esperar por uma invasão à mão armada com todos dentro de casa? Quatro homens e duas mulheres? Não, nem eu, nem cidadão nenhum tem que esperar por isso.
Continuamos a freqüentar normalmente a casa que, está sempre repleta de crianças. Se tivéssemos uma bola de cristal jamais permitiríamos que nossa querida amiga Jaque entrasse em estado de choque, sem conseguir parar de chorar por toda madrugada. Foi ela que teve de arrumar tudo para entregar a um dos bandidos enquanto o restante de nós estava deitado na sala com uma arma apontada para as nossas cabeças. “Fiquem tranqüilos, agente só quer dinheiro, nóis é gente de boa, nóis é fugitivo sofredor...” grunhia o assaltante. Enquanto isso o comparsa ameaçava nos trancar no banheiro e ficar com minha amiga catarinense, um doce de pessoa, a personificação da alegria, a mais encantada com nossa terra. Foi embora no dia seguinte sem dormir, ainda aos prantos, inconsolável em um retorno inesquecível para sua terra mãe. Que vergonha Senhor, que vergonha!
Os marginais se fartaram, deveriam estar felizes com a quantidade de tranqueiras e de dinheiro arrecadado. Discutiram um pouco e resolveram partir sem agressões físicas. De acordo com um dos policiais que veio em nosso socorro logo em seguida “foi muita sorte. Semana passada invadiram ‘aquela casa ali’, trancaram os homens e estupraram as duas meninas que estavam na piscina”. Em nosso caso o episódio terminou sem seqüelas físicas. Já as psicológicas... Quando resolveram que bastava, prenderam todos no banheiro, fizeram suas últimas ameaças da noite e desapareceram no meio da madrugada levando muito mais que nossos bens materiais.
De acordo com a comunicação oficial do governo, Sergipe é o Estado do Nordeste que mais investe em segurança pública: desde o início de 2007 e até o início deste ano, foram 38 milhões de reais para esta área. Carros, equipamentos, armas, capacitação, tecnologia, coletes, etc. Porque é que o cidadão não consegue constatar esse investimento no cotidiano? “Cadê a segurança pública”, se perguntam a todo tempo. Quero registrar aqui que a polícia estava na casa quinze minutos depois de ser acionada. Nota 10 para os policiais prestativos que saíram em busca dos bandidos e nos atenderam primorosamente. Mas porque precisamos chamar a polícia? A segurança pública deveria prevenir e não apenas solucionar, se é que o caso será solucionado um dia. Falar de um Estado seguro é muito fácil para quem vive em coberturas luxuosas e cercado por seguranças particulares 24 horas por dia.
Outra coisa: investir no turismo pra quê? Eles lêem as tais publicidades do governo nas revistas Veja, Contigo, Fluir. Resolvem vir conhecer nossa terra e o receptivo é feito por assaltantes e estupradores. Não irei mencionar aqui os assaltos ocorridos na casa de minha mãe nos últimos três anos. Ela viveu vinte dos 84 anos de idade no bairro Pereira Lobo sem saber o que era uma cerca elétrica; essa coisa horrorosa que também se tornará parte da minha vida e da dos meus filhos assim que venha o nascer do próximo dia útil. A pergunta que faço é: até quando teremos que viver trancafiados em nossos presídios particulares?
Foi-se o encanto, a felicidade de uma semana inteira de comemorações, ficou o vazio, o desencanto com uma casa que por mais de cinco anos foi palco de infindáveis histórias felizes, dentre elas o primeiro sorriso de meu amado pai (in memorian) ao anunciar a compra de tão desejado bem. Foi-se o crer em uma cidade tranquila, em um Estado que diz tanto investir em segurança pública. Roubaram do meu papagaio as ‘asas douradas’ cantadas por nosso querido Antônio Carlos; o caju perdeu o doce. Poderemos voltar a freqüentar a nossa própria casa? Não. A placa de venda já deverá ter sido arrancada pelo próximo proprietário antes que você termine de ler este desabafo.
* Jornalista e especialista em Assessoria de Comunicação e Imprensa, graduanda em Letras Português - Inglês. É também editora do blog Cajueiros e Papagaios
Um comentário:
Você foi muito feliz na demonstração de sua tristeza. Tristeza esta que também é a minha, pois sou proprietário da casa mais abaixo, na mesma rua, e devido ao acontecido estou evitando de levar minhas filhas para "divertirem-se" naquele "paraíso".
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