"Sem medo da verdade."

segunda-feira, 12 de março de 2012

Promiscuidade Partidária

Na vida sexual, o termo promiscuidade está relacionado à frequência da troca de parceiros ou ao acúmulo deles. Na vida política, pode significar mudanças frequentes de partido, algo que tem acontecido em larga escala nos dias atuais. Num tempo em que o que vale é o próprio umbigo, políticos mudam de partido como se muda de roupa íntima e seguem em busca daquela legenda que melhor acolhe seu projeto pessoal, seus interesses individuais. Projeto coletivo? O que é isso mesmo?
Não tenho a intenção de apontar quem tem protagonizado cenas explícitas de promiscuidade partidária. Aliás, é mais diplomático usar o termo “infidelidade partidária”. Não seria inteligente me indispor com minhas fontes, a menos que seu comportamento implicasse diretamente em desvio de dinheiro público ou ilicitudes que acarretassem outros prejuízos para a sociedade. Os olhos do eleitor estão bem abertos para registrar o troca-troca e não preciso ser eu a encarnar o papel de delatora dos promíscuos. Até porque os fatos sobre a “migração” de partido são noticiados diariamente pelos veículos de comunicação.
O Brasil conta, hoje, com 27 partidos políticos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas amanhã o quadro pode mudar. Alguns são claros quanto as suas bandeiras. Outros, nem tanto. Uns preferem assumir a oposição, outros querem ficar na base governista. Há ainda aqueles que não se identificam nem com a oposição, nem com a base, daí resolvem criar uma terceira via: o bloco dos “independentes”. Outro grupo de partidos, formado por aqueles avessos a tudo e a todos, assiste ao jogo político de camarote.
Mas falemos sobre a tal da fidelidade partidária, ou melhor, da infidelidade, algo mais intrigante na nossa realidade. Os infiéis podem se manifestar de duas formas: quando o parlamentar vota de forma contrária ao que é acordado dentro do partido, ou quando há migração para outra legenda para obter êxito nas eleições. O segundo caso, é claro, acaba sendo bem mais interessante aos olhos da imprensa, já que, na primeira situação, não paira sobre o infiel o fantasma da perda do mandato, o que invariavelmente acontece com a segunda.
Por isso, mesmo estando descontente com o partido, é necessário ter cautela ao pedir a desfiliação. Afinal, quem quer perder o mandato para o partido pelo qual foi eleito? Quem quer deixar de desfrutar das regalias do poder, uma fonte que parece rica e inesgotável? No entanto, há aqueles que resolvem pedir a desfiliação ao verem na Justiça uma forma de manter a “mamata”. E, de fato, muitas vezes, acabam tendo sucesso. Daí, ficam os partidos ensandecidos atrás de garantir uma forma de ter de volta aquilo que foi seu porque, no jogo político, um cargo não é conquistado pela pessoa, mas sim pelo grupo do qual ela fez parte.
Apesar de confundir e assustar os eleitores, o vai e vem de políticos enche os jornais de notícias. Já pensou o que seriam das colunas sem essa movimentação? Já imaginou o que seriam dos jornalistas sem essa variação política. A cobertura seria um marasmo danado. O bom mesmo é ver o circo pegar fogo, é ver as trocas de 'amabilidades' por todos os lados. Apesar de ser um quadro desagradável e desnecessário, é essa promiscuidade que dá à política brasileira um quê de peculiar. Afinal, filiação a um partido político é como casamento: só é para sempre em algumas situações, as exceções. Em outras, se torna bem mais interessante experimentar vários relacionamentos. Mas, na política partidária, não há espaço para relação aberta. De acordo com a legislação, infidelidade é pecado capital. O incrível é que no Brasil, até para isso dá-se um jeitinho.
* Amanda Barboza é jornalista e repórter do Política Hoje.

Ministra Cármen Lúcia é primeira mulher a presidir o TSE

A ministra Cármen Lúcia será a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral em 67 anos, após ser eleita pelo plenário do TSE em sessão ordinária nesta terça-feira. O ministro Marco Aurélio foi eleito para exercer a vice-presidência.
A ministra se comprometeu a cumprir o cargo com "honestidade e absoluta dedicação", de acordo com nota do TSE.
O atual presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, parabenizou os ministros e desejou "muitas felicidades pessoais e sucesso no desempenho desse honroso cargo".
Cármen Lúcia assume a presidência para o biênio 2012/2014 e inicia a gestão com o desafio de conduzir o processo eleitoral no Brasil, neste ano em que serão eleitos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em mais de 5,5 mil municípios.
A solenidade de posse deve ocorrer na última semana de abril.
FONTE: REUTERS

A PAIXÃO PELO PODER

O impulso pela conquista e manutenção do poder, em qualquer meio social – familiar, tribal, nacional ou internacional – e em suas diferentes modalidades – poder político, econômico, religioso, cultural – tem-se mostrado uma das mais fortes paixões a agitar o coração humano. “A maior parte dos homens”, observou Aristóteles, “deseja exercer um poder absoluto sobre muitos”. Thomas Hobbes compartilhou inteiramente essa opinião: “Antes de mais nada”, disse ele, “reconheço como uma inclinação geral do gênero humano o desejo perpétuo e incansável de poder e mais poder, inclinação essa que só cessa com a morte”. E a razão disso, como anunciou o Duque a Sancho Pança, na véspera de sua posse como governador da fantástica ilha Barataria é “ser dulcísima cosa el mandar y ser obedecido”.
Para a sabedoria grega, tal paixão nada mais seria do que o orgulho desmedido (hybris), considerado o mais devastador dos defeitos humanos, segundo adverte o coro no Agamenon de Ésquilo (375 – 379). “A hybris, quando amadurece”, declama um personagem de outra de suas tragédias, “produz a espiga do crime, e o produto de sua colheita é feito só de lágrimas”. A paixão pelo poder chega mesmo, por vezes, a pôr na sombra o impulso natural do amor materno, como o gênio de Shakespeare bem intuiu. Advertida pelo marido da profecia lançada pelas três feiticeiras de que ele seria rei, e sentindo que o temperamento do consorte é todo feito de ternura , Lady Macbeth invoca os espíritos infernais para que eles mudem o seu sexo frágil, enchendo-a, da cabeça aos pés, da mais terrível crueldade. E a fim de sacudir os últimos escrúpulos de consciência do marido, ela lhe lança em rosto uma estupenda bravata: seria capaz de esmigalhar a cabeça do filho que amamenta, se isto fosse indispensável para cumprir o seu desígnio de tornar-se rainha.
Aliás, de acordo com as observações de alguns antropólogos, a atração avassaladora pelo poder é algo que partilhamos com os outros primatas superiores. E a razão disso é de ordem biológica. As relações de poder e submissão são comandadas pela parte mais primitiva do cérebro humano, a chamada zona límbica, que se encontra mesmo nos répteis. Daí porque as relações sociais que envolvem comando e obediência tendem, não raro, a escapar a todo controle racional, e investir mesmo contra todos os sentimentos naturais. Comentando o episódio brutal, em que Augusto, cedendo às instâncias de seus parceiros do momento, Marco Antonio e Lépido, consentiu no assassínio de seu amigo Cícero, Plutarco observa que nenhum animal é mais selvagem que o homem, quando a sua paixão é fundada no poder.
De qualquer modo, é preciso atentar para o fato de que objeto da paixão é a posse, uso e gozo da posição de poder; não o “resultado do poder”, isto é, as obras ou transformações suscetíveis de serem realizadas pelo seu exercício. A possibilidade de se dobrarem as vontades alheias, e de se suscitar o respeito, senão a veneração do povo, como se este se encontrasse diante de um ídolo religioso, provoca um gozo intenso e durável. Aliás, um dos mais importantes recursos de poder consiste em manter os governados em estado permanente de temor e adoração, dois sentimentos, como se sabe, característicos da submissão religiosa.
Importa também salientar que, ao contrário da energia física, sujeita à segunda lei da termodinâmica (entropia), ou seja, a sua constante degradação em calor, o poder político tende sempre, pela sua própria natureza, à concentração, tanto sob o aspecto subjetivo, quanto objetivo. “Quanto mais os homens se sentem fortes”, observou Aristóteles, “tanto maior é o seu apetite de dominação”. “É uma experiência eterna”, advertiu por sua vez Montesquieu em passagem famosa, “que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites. Quem diria! Até a virtude precisa ser limitada”. As diferentes experiências dos regimes políticos moralistas, puros e duros, têm confirmado a justeza dessa observação, em todos os tempos e todas as idades.
Acontece que no limite – e aí está a verdadeira tragédia –, todo aquele que exerce um poder despido de freios ou mecanismos de controle corre o risco de ser dominado por ele, e de passar assim, objetivamente, da condição de senhor à de escravo; ou seja, de alguém que já não se pertence, mas vive submetido, servilmente, como o Fausto de Goethe, aos caprichos do demônio que invocou. Efetivamente, raros são os homens de poder que não se deixam escravizar pela “glória de mandar e a vã cobiça desta vaidade, a quem chamamos fama”; raros os que não se deixam iludir pelo “fraudulento gosto que se atiça cuma aura popular que honra se chama”, como denunciou o velho da praia do Restelo nos Lusíadas.
Como já foi repetidas vezes observado, a paixão pelo poder é intrinsecamente corruptora. Há, sem dúvida, a corrupção mais vulgar, daquele que compra a consciência alheia, ou vende a sua. Mas há também uma forma muito mais complexa e sutil, que frisa à loucura moral. O indivíduo escravo dessa paixão tende a se servir, para alcançar seus fins, de todos os sentimentos altruístas que encontra disponíveis diante de si: o amor, a compaixão, a generosidade, a lealdade, o espírito de serviço, a solidariedade. Com desoladora freqüência, velhos amigos e grandes admiradores do governante, ou então pessoas respeitáveis na sociedade pela sua correção e sabedoria, são tentativamente usados em proveito próprio pelo titular do poder, sem nenhum escrúpulo. Aristóteles  assinalou que os homens no poder costumam ter apenas duas espécies de amigos: os úteis e os agradáveis. Eles querem os primeiros para executar suas ordens com habilidade, sem levantar objeções de ordem moral, e procuram os segundos como fonte de entretenimento e diversão.
O que os poderosos têm imensa dificuldade em reconhecer é que, quanto maior o seu poder, mais intensamente são eles cercados e pressionados por uma corte de áulicos, os quais, por puro interesse pessoal ou de grupo, só cuidam de os incensar e de louvar as suas decisões políticas, ocultando sistematicamente os aspectos negativos da pessoa do chefe, ou das decisões por eles tomadas. Como bem advertiu La Fontaine, ao concluir a fábula da raposa e o corvo. Tudo isso explica porque é justamente no exercício do poder que costumam vir à tona os defeitos recônditos da alma humana. “O poder revela o homem”, diz Aristóteles. “Pode-se conhecer bem a alma, os sentimentos, os princípios morais de um homem”.
POR FÁBIO KONDER COMPARATO  - DOUTOR EM DIREITO NA UNIVERSIDADE  DE SORBONNE  NA FRANÇA

BRASIL: FRAUDE EXPLICA !

Ninguém medianamente conhecedor de nossa História ignora que a corrupção dos agentes públicos é um mal endêmico no Brasil e existe desde o início da colonização, abrangendo indistintamente todos os órgãos do Estado. De se notar, aliás, que até a separação entre a Igreja e o Estado, com o advento do regime republicano, os membros do clero não se distinguiam muito dos funcionários leigos, sob esse aspecto.
Para ficarmos tão-só no campo da corrupção da Justiça, é preciso lembrar o testemunho dos viajantes estrangeiros durante todo o século XIX.
No relato de sua viagem ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais, no início do século, Auguste Saint-Hilaire observou: “Em um país no qual uma longa escravidão fez, por assim dizer, da corrupção uma espécie de hábito, os magistrados, libertos de qualquer espécie de vigilância, podem impunemente ceder às tentações”.
No mesmo sentido, John Luccock, que aqui viveu de 1808 a 1818: “Na realidade, parece ser de regra que no Brasil toda a Justiça seja comprada. Esse sentimento se acha por tal forma arraigado nos costumes e na maneira geral de pensar, que talvez ninguém o considere danoso; por outro lado, protestar contra a prática de semelhante máxima pareceria não somente ridículo, como serviria apenas para provocar a completa ruína do queixoso”.
E Charles Darwin, por ocasião da estada do Beagle em nosso país, em 1832: “Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados.”
E, na verdade, a desonestidade não grassava apenas na esfera dos agentes públicos leigos, mas invadia também, e largamente, o terreno eclesiástico.
Em carta que dirigiu ao rei de Portugal em 1719, o Conde de Assumar, governador da capitania de São Paulo e Minas Gerais, relatava “o deplorável estado em que vivem neste país quase todos os eclesiásticos”. E acrescentava: “sem ofender os seus reais ouvidos (...), seu menor vício é estarem publicamente amancebados”, chegando mesmo a participar de duelos para defender a “honra” de suas concubinas. Quanto às suas ocupações, consagravam o mínimo de seu tempo às funções sacerdotais, preferindo antes dedicar-se ao contrabando de ouro e pedras preciosas, à exploração de minas ou engenhos, ou ao ofício de estalajadeiros, de farmacêuticos ou mesmo de curandeiros, como atestaram, ainda aí, além de Saint-Hilaire, os viajantes estrangeiros John Mawe, Eschwege, Spix e Martius.
Não tenhamos dúvida, entre nós a corrupção de políticos e administradores públicos é uma prática já entranhada na mentalidade coletiva e que permeia os costumes ou modos de comportamento de todas as classes sociais. Os que têm recursos – pecuniários ou de influência – corrompem o quanto podem, sem problemas de consciência. Quanto aos que não têm recursos, eles não condenam corruptores e corruptos, dando a entender que fariam o mesmo se estivessem no lugar de uns ou de outros.
Sou, no entanto, bastante idoso para perceber que a situação começa a mudar. Hoje, ao contrário do que parece, a corrupção não aumentou em relação ao passado. A verdadeira mudança ocorreu com a redução do número de pessoas que manifestam indiferença ou complacência para com a generalizada prática do suborno.
Entendo que a atual Presidente da República tem seguido, com coragem e determinação, no rumo certo: a intransigência com qualquer prática de corrupção no Poder Executivo federal, mesmo quando contamina Ministros de Estado.
Não basta, porém, apoiar a Presidente nessa missão moralizadora.
Como a mentalidade coletiva não muda rapidamente, é indispensável montar uma política pública de longo prazo para combater a corrupção, comportando instituições adequadas e uma ampla campanha de educação cívica.
Dentre as instituições adequadas para lutar contra a improbidade política e administrativa, entendo que devemos criar instrumentos novos de atuação popular. Cito dois, que me parecem importantes.
De um lado, a criação de ouvidorias do povo, em todas as unidades da federação e em relação a todos os órgãos públicos (Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público); ouvidorias essas que gozariam de autonomia administrativa e financeira, e cujos chefes seriam eleitos pelo próprio povo e não nomeados pela chefia do órgão a ser fiscalizado.
De outro lado, é imprescindível criar novas ações populares, isto é, ações judiciais propostas por qualquer cidadão em nome do povo; não só ações penais, mas também de improbidade administrativa, comportando demissão do agente público. Na Constituição Imperial de 1824, instituiu-se uma ação popular contra qualquer magistrado, por “suborno, peita, peculato e concussão” (art. 157). Por que abandonamos essa experiência no período republicano?
Quanto à campanha de educação cívica, ela deveria ser efetuada com recursos públicos e contar com amplo apoio dos meios de comunicação de massa, notadamente o rádio e a televisão.
FÁBIO KONDER COMPARATO - DOUTOR EM DIREITO NA UNIVERSIDADE DE SORBONNE NA FRANÇA

UMA DEMOCRACIA SEM POVO

Suponhamos que alguém entre em contato com um advogado para que este o represente em um processo judicial. O causídico aceita o patrocínio dos interesses do cliente, mas não informa o montante dos honorários, cujo pagamento será feito mediante a entrega de um cheque em branco ao advogado.
 Disparate sem tamanho?Sem a menor dúvida. Mas, por incrível que pareça, é dessa forma que se estabelece a fixação dos subsídios dos (mal chamados) representantes políticos do povo. Com uma diferença, porém: os eleitos pelo povo não precisam pedir a este a emissão de um cheque em branco: eles simplesmente decidem entre si o montante de sua auto-remuneração, pagando-se com os recursos públicos, isto é, com dinheiro do povo.Imaginemos agora que o advogado em questão, sempre sem avisar o cliente, resolve confiar o patrocínio dos interesses deste a um companheiro de escritório, por ele designado, a quem entrega o cheque em branco. Contrassenso ainda maior, não é mesmo?
Pois bem, é assim que procedem os nossos senadores, em relação aos suplentes por eles escolhidos, quando se afastam do exercício de suas funções.
Não discuto aqui o montante da remuneração percebida pelos membros do Congresso Nacional, embora esse montante não seja desprezível. Além dos subsídios mensais propriamente ditos – quinze por ano –, há toda uma série de vantagens adicionais. Por exemplo: o “auxílio-paletó” no início de cada sessão legislativa (no valor de um subsídio mensal); a verba que cada parlamentar pode gastar como bem entender no seu Estado de origem; as passagens aéreas gratuitas para o seu Estado; sem falar nas múltiplas mordomias do cargo, como moradia amplamente equipada, carro oficial e motorista etc. Segundo o noticiado na imprensa, esse total da auto-remuneração pessoal dos membros do Congresso Nacional eleva-se, hoje, à cifra (modesta, segundo eles) de R$114 mil por mês.
Ora, tendo em vista o estafante trabalho que cada deputado federal e senador realizam – eles trabalham, em média, três dias por semana –, resolveu o Congresso Nacional, por um Decreto Legislativo datado de 19 de dezembro de 2010, elevar o montante do subsídio-base para a legislatura em curso em 62% (por extenso, para confirmar a correção dos algarismos: sessenta e dois por cento).
Ao mesmo tempo, consternados com o fato de perceberem remuneração superior à do presidente e vice-presidente da República, bem como à dos ministros de Estado, os parlamentares decidiram, pelo mesmo Decreto Legislativo, a equiparação geral de subsídios.
Acontece que o subsídio dos deputados federais serve de base para a fixação do subsídio dos deputados estaduais e dos vereadores, em todo o país. Como se vê, a generosidade dos membros do Congresso Nacional, com dinheiro do povo, não se limita a eles próprios.
Agora, perguntará o (indignado, espero) leitor destas linhas: – Como pôr fim a essa torpeza?
Pelo modo mais simples e direto: transformando o falso mandato político em mandato autêntico. Ou seja, instituindo entre nós um verdadeiro regime democrático, em substituição ao fraudulento que aí está. Se o povo é realmente soberano, se ele elege representantes políticos para que eles atuem, não em proveito próprio, mas em prol do bem comum do povo, então é preciso inverter a relação política: ao em vez de se submeter aos mandatários que ele próprio elegeu, o povo passa a exercer controle sobre eles.
Alguns exemplos. O povo adquire o poder de manifestar livremente a sua vontade em referendos e plebiscitos, sem precisar da autorização do Congresso Nacional para tanto, como dispõe fraudulentamente a Constituição (art. 49, inciso xv). O povo adquire o poder de destituir pelo voto aqueles que elegeu (recall), como acontece em várias unidades da federação norte-americana.
Nesse sentido, é de uma evidência palmar que a fixação do subsídio e seus acréscimos, de todos os que foram eleitos pelo voto popular, deve ser referendada pelo povo.
Para tanto, o autor destas linhas elaborou um anteprojeto de lei, apresentado pelo Conselho Federal da OAB à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados , instituindo o referendo obrigatório do decreto de fixação de subsídios, quer dos parlamentares, quer dos membros da cúpula do Executivo. Sabem qual foi a decisão da Comissão? Ela rejeitou o anteprojeto por unanimidade.
Confirmou-se assim, mais uma vez, o único elemento absolutamente constante em toda a nossa história política: o povo brasileiro é o grande ausente. A nossa democracia (“um lamentável mal-entendido”, como disse Sérgio Buarque de Holanda) é realmente original: logramos a proeza de fazê-la funcionar sem povo.
  FÁBIO KONDER COMPARATO -  DOUTOR EM DIREITO NA UNIVERSIDADE DE SOBORNNE NA FRANÇA

A CLASSE POLÍTICA

     Em poucos países a classe política se distingue por sua alta categoria ética e cultural. No Brasil, ela em geral é mal vista, podendo-se dizer que a política é geralmente considerada atividade desabonadora para quem nela milita.
                        Uma situação dessa natureza põe em risco a causa democrática, pois esta tem nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os representantes da coletividade na órbita do Estado, dos vereadores aos senadores. Daí a necessidade de seu estudo.
                        A classe política é uma das formas de “classe intelectual”, que surgiu no fim da Idade Média, como reflexo da vida universitária, ao tempo da Escolástica. Quando um pensador se desliga da Escola Medieval e passa a atuar de maneira autônoma, passa a ser propriamente um intelectual, como seriam, por exemplo, Montaigne e Machiavelli. As nossas agremiações políticas cuidam mais de resultados eleitorais, e não de matéria relativa aos poderes do Estado.
                        Compreende-se, por isso, que a Constituição de 1988, tão rica em tantos assuntos, não tenha sequer estabelecido “sistema de poder”, ou seja, forma de governo, de tal forma que não somos parlamentaristas, nem presidencialistas, ou mesmo uma combinação inteligente desses dois regimes.
                        O pior é que, entre nós, homens de Igreja tornam-se políticos, sem na realidade o serem, e o mesmo acontece com outras formas de atividade.
                        Se houvesse preocupação pela problemática política no plano ideológico ou das idéias gerais, seria suprida a falta de forma de governo, ou, por outras palavras, de nossa consciência de classe política, tal como o exige a democracia.
                        Como se vê, a situação é deveras grave, pois, repito, sem classe política, com um mínimo de preparo teórico, não existe regime democrático.
                        O resultado negativo temos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que não legislam, preferindo-se atividades de mostração, sem se cuidar de projetos de lei que a opinião pública há vários anos reclama.
                        O último recurso estará na renovação dos quadros parlamentares, o que pressupõe, porém, mudança no eleitorado. Isto posto, recaímos no tema da classe política...
                        O problema parece insolúvel, visto como, mais uma vez, a saída está na educação, havendo necessidade de “curso de cidadania”, não digo no ensino fundamental, mas pelo menos no ensino médio, sem prejuízo de também se recorrer ao curso universitário, que, qualquer que seja o seu objeto, não é incompatível com a relevância da questão que estamos abordando.
                        De outra forma, continuaremos a dizer que o povo brasileiro não possui o mínimo de cultura política, sem o qual os Poderes Legislativo e Executivo não logram alcançar os objetivos para os quais foram constituídos.
                        Por outro lado, não devemos esquecer como teremos uma via bem mais precisa, que é a da mídia, sobretudo da televisão, com programas adequados, não somente chamando a atenção para o público, mas dando noções básicas de Política, mostrando quais são os requisitos para que forme nossa classe política.
                        As empresas de televisão são concessionárias de serviço público, de tal modo que o Poder Público poderá obrigá-las a participar desse campanha inadiável. Estou convencido de que esse caminho é o que mais resultados nos pode fornecer, com benefícios até mesmo no plano do Legislativo, onde parlamentares há desprovidos de conteúdo político adequado.
                        O eleitorado tem direito de ser freqüentemente informado sobre o destino de seu voto, se foi ou não para parlamentar ativo, quer no estudo de projetos de lei, quer de emendas úteis. A televisão e o rádio poderiam dar informações a respeito, auxiliando, assim a formação de uma verdadeira classe política, na qual surgirão, a seu tempo, uns grandes estadistas.   
MIGUEL REALE . Doutor em Direito,  catedrático de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

O BALAIO DE GATO DA POLÍTICA SERGIPANA‏

  No Brasil    como ninguém é de “extrema-direita”, também não existe mais um partido de “extrema- esquerda”, pelo menos em atuação no Congresso. Mas, no mundo político real de outros países democráticos, há distinção clara entre “direita” e “extrema-direita”, e entre “esquerda” e “extrema-esquerda”.
Esquerda seriam Michelle Bachelet, do Chile; o governo espanhol de Zapatero; Lionel Jospin, o premier que antecedeu Sarkozy na França. Já Hugo Chávez, a ditadura , ou mesmo as Farc da Colômbia, deveriam ser classificados como de “extrema- esquerda”, mas são jogados todos no mesmo balaio de gato da “esquerda” mundial, no máximo tratados como “vegetarianos” e “carnívoros”, uma maneira sutil de tocar em suas tendências sem ser politicamente incorreto.
Essas reflexões do  jornalista José Gorayeb, que ressalta que, dos anos 1960 aos 1980, e até recentemente, nos anos 1990, a imprensa brasileira fazia essa distinção muito claramente: referia-se a regimes, partidos ou correntes “de extrema-esquerda”.
Assim eram referidos o MR- 8, o PCdoB, a Libelu e o MEP, entre outros. Talvez porque, no Brasil sob o regime militar, a luta armada era claramente mencionada como ação e ideologia de extrema-esquerda, em contraposição à “esquerda” ideológica, ou seja, o MDB e o PCB, que defendiam a luta contra a ditadura “pelo voto” e pela ação parlamentar. De “esquerda” eram também designados o PDT brizolista e o PT, apesar de este ter agasalhado facções de extrema-esquerda que, com outras denominações, até hoje estão lá.
Ao falar, por exemplo, numa eleição europeia, a imprensa distinguia os partidos de “esquerda”, como os socialistas, dos de “extrema-esquerda”, a exemplo dos mais radicais, como, na Alemanha, os egressos do terrorismo à la Baader-Meinhof. Como “de extrema-esquerda” eram também mencionados os movimentos insurgentes/ terroristas latinoamericanos como os Montoneros e os Tupamaros. Hoje, as Farc são referidas como “organização de esquerda”.
Essa banalização das ideologias partidárias, e a esterilização da política por meio da cooptação por vantagens fisiológicas, fazem com que todos os gatos se pareçam siameses, angorás e caibam todos eles  no mesmo saco. Política é a ciência que busca estabelecer mecanismos que permitam a construção coletiva do bem comum. Mas, a política se constitui no jogo de interesse, e na maioria das vezes, interesses próprios. Diversos fatos contribuem para essa tese, pois, observamos pessoas que mudam de opinião tão rápido como se troca de roupa.  
Já ocorreram tantas surpresas no mundo da política, e isso enaltece aquela velha frase: “Em política só não vi boi voar.”
Em tão pouco tempo atrás era muito escutado sair da boca do prefeito Luciano Bispo: " Eu tenho alergia ao PT. " .  E Marcelo Deda dizer que Luciano Bispo não valia o chulé do sapato dele , e  que queria distância. O tempo passa, e encontros políticos  com objetivo de  novas  alianças  passam a acontecer,  e isso nos deixam bastantes curiosos. 
O momento foi bastante interessante, pois, essa semana estavam lá no Palácio de Veraneio reunidas, lideranças   que no passado já foram aliados, atualmente  rivais que há poucos dias  se confrontavam nas idéias :  Luciano Bispo, Deputado Arnaldo bispo e Marcelo Deda. A pergunta que não quer calar é a seguinte: Se antes Marcelo Deda fazia parte do saco de gato dos irmãos Amorins, Jackson Barreto e Valadares e ainda torcia para Albano Franco ( PSDB ) fazer parte do balaio de gato  , e Luciano Bispo fazia parte do grupo de João Alves e Zé Carlos Machado que são adversários ferrenhos de Deda,  Sendo anunciado a aliança Luciano e Deda, agora esse saco vai ser chamado de que?  
Quais interesses você acha que Deda, Arnaldo Bispo, Roberto Bispo e  Luciano Bispo defendem: o seu ou o deles? Já dizia um velho filósofo; " Farinha pouca, meu pirão primeiro. " E o poder é atraente, Deda está com o  poder, e o poder  brilha como o ouro, o poder é como um canto de sereia, é   como o rei sol, E a terra e mais 7 planetas gravitam em torno do poderoso Rei Sol ou astro Rei. Como é atraente o poder. Muitos querem estar à sombra do poder. Ninguém quer estar em um dia de verão ao meio-dia abraçado com um pé de mandacaru. Todos querem a sombra e os frutos da árvore que se chama poder.
 E nesse balaio de gatos esfomeados pelo poder,  e com muitos espertalhões da política à espreita, fica impossível identificar quem é de direita, esquerda, centro-esquerda, socialista, progressista, neoliberal. Apesar da presença no legislativo de deputados do DEM, PT e do Grupo dos Amorins. Muitos desses  parlamentares  já foram do DEM, PSDB de Albano Franco e  hoje  estão em partidos apenas por conveniência, pois não há identificação do que prega o partido com o histórico na vida pública. O PSD, recém- fundado por Gilberto Kassab, é a imagem dessa maquiagem política.
Sem saber o que o político é, você não sabe em quem está votando. Essa dificuldade em identificar a personalidade política do candidato reflete a falta de identidade ideológica, a crise de representatividade dos partidos e a degradação da atividade parlamentar.
  A perda de paradigmas dos projetos políticos e sociais aparece com força, nesse tempo de sinais trocados e cartas misturadas. Muitos têm de trabalhista,  socialista,  e democratas  só no nome da sigla partidária.

POR BORYS KALOY

POLÍTICA E POLITICALHA

A política afina o espírito humano, educa os povos no conhecimento de si mesmos, desenvolve nos indivíduos a atividade, a coragem, a nobreza, a previsão, a energia, cria, apura, eleva o merecimento.
Não é esse jogo da intriga, da inveja e da incapacidade, a que entre nós se deu a alcunha de politicagem. Esta palavra não traduz ainda todo o desprezo do objeto signifi-cadoNão há dúvida que rima bem com criadagem e parola-gem, afilhadagem e ladroagem. Mas não tem o mesmo vigor de expressão que os seus consoantes. Quem lhe dará com o batismo adequado? Politiquismo? Politicaria? Politicalha? Neste último, sim, o sufixo pejorativo queima como um ferrete, e desperta ao ouvido uma consonância elucidativa.
Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente.
A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de explorar o benefício de interesses pessoais. Constitui a política uma função, ou o conjunto das funções do organismo nacional: é o exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si mesma. A politicalha, pelo contrário, é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada.
POR RUI BARBOSA

DA ORIGEM DA UNIÃO ESTÁVEL Á NOVA UNIÃO: A HOMOAFETIVA

A palavra concubinato tem origem no latim – concubinatus – cujo significado é de “mancebia” ou “companhia de cama sem aprovação legal”, o que levou à não aceitação desse termo pela sociedade, embora fosse usualmente empregado nos meios jurídicos, atentos a seus dois sentidos, um deles impuro e reprovado, por traduzir-se em qualquer relação, inclusive aquela de uma pessoa casada com quebra do dever de fidelidade, e outro puro e aceito, a retratar a união entre duas pessoas solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, com a presença de um requisito fundamental: a lealdade concubinária.
O legislador brasileiro, ao contrário de outros países, como Cuba, por exemplo, manteve-se, por muito tempo, fiel à concepção de não regulamentar, em texto legal, a figura da união estável.
A primeira tentativa legislativa para incluir a união estável na seara jurídica brasileira foi de iniciativa de Nelson Carneiro, em 1947. O projeto l dispunha acerca dos alimentos, pensão, montepio e meio-soldo, equiparando-se à esposa a companheira de homem solteiro, desquitado ou viúvo.
Somente com a Constituição Federal de 1988 é que se elevou a união estável entre o homem e a mulher ao status de entidade familiar, a merecer a proteção do Estado. Assim sendo, houve a retirada dessas entidades familiares da clandestinidade. O dogmatismo dominante até então colocava as uniões fora do casamento como uma espécie de relação espúria, desrespeitosa aos ditames comportamentais da época, que somente admitiam o casamento como forma de representação social da família.
Filhos havidos destas relações eram vistos como adulterinos, não obstante a convivência more uxorio de seus pais. Mera hipocrisia da sociedade, uma vez que era sabida a notória união de um fato incontestável, apesar da aversão que alguns nutriam aos que a adotavam e reconheciam.
Contudo, ninguém podia deixar de reconhecer que o concubinato sempre caminhou paralelamente à família constituída pelo casamento, sendo difícil não lhe outorgar uma formatação social.
Mas, o concubinato ou companheirismo era visto como se fora uma união ilegal, sem o beneplácito do casamento civil. Havia o casamento religioso, que, por vezes, sacramentava a união e adquiria o respeito de todos; era a exceção à regra. A doutrina brasileira entendia até que o concubino nada mais era do que o vulgar amante.
O emprego do termo união estável passou a predominar também no âmbito do Direito, embora não tenha a precisão técnica da expressão concubinato puro. Consequentemente, a palavra concubino foi substituída pelos termos: companheiro e convivente.
Entretanto, mesmo com o novo texto constitucional provocando grandes mudanças no Direito de Família, por muito tempo os operadores do Direito não conseguiram entender sua aplicabilidade, principalmente o legislador ordinário.
Apesar disto, a própria redação dada ao §3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 pouco ajudou a este novo tipo de família. O texto da Constituição parecia truncado e contraditório em sua essência, que muito deixou a desejar em relação às frustradas expectativas de finalmente ver-se o instituto ora abordado regulamentando satisfatoriamente.
As críticas doutrinárias em relação à redação desse artigo centraram-se no segundo período, qual seja, “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Para os autores que tratam da matéria, o legislador constituinte, ao invés de esclarecer, confundiu instituições totalmente diversas no mundo social e jurídico, dando a entender que estaria criada a possibilidade de um casamento de segunda classe, a ser desembaraçado pela conversão do mesmo, conforme determinasse o legislador ordinário.
 Lei nº 9.278/96 não revogou expressamente a de 1994. As matérias tratadas não eram idênticas, embora intimamente relacionadas, trazendo perplexidade ao intérprete. Assim, certos aspectos da união estável foram regulados com maior clareza pela Lei nº 8.971/94 (alimentos e direitos sucessórios), ao passo que a regulamentação contida na Lei nº 9.278/96 em relação às questões patrimoniais e ao estabelecimento dos deveres e direitos entre os conviventes eram mais contundentes que a lei anterior.
No artigo 1º da Lei, reconheceu-se como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com a finalidade de constituir uma família. Pois bem, não caberia à lei, em regra, definir o conceito de união estável, mas assim o fez o legislador ordinário. Portanto, o legislador forneceu outros requisitos para estabelecer limites que permitam atribuir direitos à sociedade conjugal de fato.
A Lei nº 9.278/96 conceituaria a união estável de uma forma mais abrangente que na Lei nº 8.971/94, dando indícios que veio a complementar o estabelecido no diploma anterior. Silenciou, todavia, no importante quesito referente às impossibilidades, quer sejam legais, quer sejam biológicas, que inviabilizassem a possibilidade de contrair matrimônio (impedimentos), portanto, de formar união estável, uma vez que tendentes ao mesmo fim, qual seja, o da criação de uma família.
Essa diversidade no tratamento da matéria entre as duas leis trouxe ao mundo jurídico, em tese, duas modalidades de união estável. A primeira, definida pela lei de 1994, representada pela união com mais de 05 anos ou com prole comum entre pessoas desimpedidas. E, a segunda, definida pela lei de 1996, referente à união sem qualquer restrição, a não ser a exigência de ser provado o animus de constituição de família. Assim, na segunda hipótese, admite-se, em tese, o concubinato adulterino como apto para a caracterização de uma união estável.
Essa incoerência, segundo alguns autores, poderia vir a prejudicar todo o sistema criado pela doutrina e jurisprudência e depois consolidado ainda que de forma não satisfatória pela Lei nº 8.971/94, segundo a qual apenas podem contrair uma união estável aqueles que possam constituir, dessa união, uma família com base no casamento.
Outro entendimento criou a aberração de um casamento de segunda categoria. Ou seja, poderia o homem casado formar, além do casamento, união estável com mulher que não a sua esposa, contanto que dentro dos padrões estabelecidos pela Lei nº 9.278/96 em seu artigo 1º?
Evidentemente, o entendimento da lei não foi no sentido de viabilizar essas relações, mas tais lacunas criam problemas hermenêuticos de difícil resolução na ordem jurídica.
Vale ressaltar que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, vetou o artigo 3º da Lei nº 9.278/96, que em sua parte final, ressalvava o contrato de convivência ou união estável, o qual restaria sujeito, como requisito essencial à sua validade, às normas de ordem pública atinentes ao casamento, aos bons costumes e aos princípios gerais do Direito. Extraiu-se, desse modo, que o pensamento do legislador ordinário, apesar de mal apresentado para a sociedade, não era o de legitimar o concubinato impuro, relações adulterinas ou incestuosas.
Ademais, o artigo 8º da Lei nº 9.278/96 determinava que os conviventes poderiam, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio. Havia, então, a presunção de que não existia união estável se a mesma não pudesse ser convertida em casamento.
Aliado a esse pensamento, ainda persistia a ideia de alguns doutrinadores, para a caracterização da união estável, sobre a necessidade de coabitação, apesar de a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal ter afirmado que “a vida em comum sob o mesmo teto more uxorio não é indispensável à concretização do concubinato” (verbete 382).
O texto constitucional, seguindo a mesma orientação da súmula do Pretório Excelso, não fez qualquer distinção entre a convivência sob o mesmo teto ou fora dele. Por isso, sem surpresa no art. 1º da Lei nº 9.278/96, quando definiu as características da união estável, não exigiu a convivência sob o mesmo teto.
O professor Euclides de Oliveira lembra-nos para o fato de caracterizar-se a união estável mesmo que a vida em comum não se dê no mesmo domicílio.. E completa: Para o autor abriu-se, assim, a excepcional configuração de união estável à distância, quando residam, os companheiros, em locais diversos, desde que, não obstante esse distanciamento físico, subsista a convivência definida em lei.
Por sua vez, o Código Civil de 2002 incorporou, no seu texto, elementos das Leis 8971/94 e 9278/96. Enumera em seu artigo 1.724 três deveres e direitos recíprocos, que são os mesmos direitos e deveres básicos conjugais, demonstrando maior aproximação ao pensamento daqueles que consideram necessária a igualdade entre união estável e casamento.
Segundo alguns autores, a quebra de um dos deveres estabelecidos daria ao convivente o direito de requerer a dissolução da união estável com discussão de culpa, nos moldes do artigo 1.572 do novo Código Civil. A lógica de tal pensamento estaria no fato de que a obrigatoriedade do respeito a esses deveres só seria tomada em consideração se houvesse uma sanção ao convivente infrator.
Sendo assim, a união estável ganhou foi um contorno de casamento. Para o professor Rodrigo Cunha, apesar de a união estável ser o espaço do não instituído”, à medida que é regulamentada, vai ganhando contornos de casamento.
Para o professor Zeno, a jurisprudência brasileira assentou o entendimento de que a posição do companheiro sobrevivente é similar à do cônjuge supérstite. Salvo a necessidade de alguns ajustes, não se via na doutrina pátria nenhuma objeção mais profunda sobre a forma como a matéria foi disciplinada. Esse posicionamento é fruto da inovação legislativa que, para muitos, configura um total retrocesso em relação aos direitos sucessórios alcançados pelos conviventes em face da evolução legislativa da última década.
A sucessão entre companheiros foi tratada, pelo Código Civil de 2002, de uma maneira totalmente estranha. Enquanto o cônjuge passou a ser considerado herdeiro necessário e, em situação privilegiada, o companheiro é considerado herdeiro facultativo e, em posição muito inferior à ocupada até a entrada em vigor do novo Código Civil.
É preciso alertar que a sucessão entre companheiros está vinculada aos “bens adquiridos na constância da união estável”, conforme caput do artigo 1790 do Código Civil.
Ademais, a distinção legislativa entre concubinato e união estável fazia-se necessária para aplicar as medidas e consequências jurídicas em cada um dos institutos. Os direitos e deveres decorrentes de uma união estável passaram a ser buscados no campo do Direito de Família utilizando-se marcos teóricos.
O concubinato, por seu turno, foi definido pelo Código Civil de 2002, no artigo 1.727 como relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar. Ou seja, considerado, ainda, como adulterino ou paralelo ao casamento ou a outra união estável. Para manter-se a coerência no ordenamento jurídico brasileiro, deve valer-se da teoria das sociedades de fato e, portanto, do campo obrigacional. A aplicação da Súmula 380 do STF, para tais casos, é plenamente possível.
Como se vê, a evolução ainda é lenta e gradual. Basta atentar para um detalhe importante e que ressalta no exame do dispositivo constitucional: é o relacionado ao fato de que a união estável somente pode ser estabelecida em uma entidade familiar “entre o homem e a mulher”.
Entretanto, o Direito tem que evoluir junto com a sociedade. Sendo assim, com o ajuizamento da ADI 4277 e a ADPF 132 buscou-se a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Com o brilhatismo que lhe é peculiar, o ministro Carlos Ayres Britto concluiu seu voto sustentando que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, assim, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
Observou muito bem o Ministro Carlos Ayres que “o sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, concluindo, assim, que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide com o preceito inserido neste artigo.
Nada mais lógico e natural que essa evolução de união espúria tida no começo pudesse amparar também pessoas unidos pelo amor e não por sua sexualidade. Não faz mais sentido falar em união entre homens e mulheres no mundo onde a família deixou de ser uma forma de sobrevivência financeira nos grupos ruralescos e passou a ser família no sentido mais significativo para o ser humano: o amor. Amar não tem sexo, cor, idade. Amar é amar em qualquer língua, país, planeta. Quanto mais se dá amor mais se recebe amor. E, proibir a união homoafetiva hoje em dia é proibir o direito de amar.

LEI DA COPA É RETROCESSO NOS DIREITOS

Texto principal aprovado na Comissão Especial da Câmara atende só aos interesses da Fifa. Mas haverá nova votação. PROTESTE mantém mobilização.
O texto-base da Lei Geral da Copa, que mantém vários desrespeitos a direitos dos consumidores terá que ser votado novamente na Comissão Especial da Câmara, semana que vem. Por isso a PROTESTE Associação de Consumidores reiterou o pedido para que sejam feitas alterações no texto de forma a garantir a meia-entrada para os estudantes e respeito ao Código de Defesa do Consumidor e Estatuto do Idoso.
As 11 mil assinaturas coletadas em campanha para que não haja retrocesso nas conquistas obtidas com o Código de Defesa do Consumidor, meia-entrada e Estatuto do Torcedor foram entregues para o líder da bancada do PT na Câmara deputado Jilmar Tatto .Ele encaminhou para o deputado Carlinhos de Almeida que é membro da Comissão Especial.
Uma infração cometida no regimento interno da Câmara provocou o impasse na votação ocorrida em 28 de fevereiro. Durante a votação da lei, a comissão especial funcionou por dois minutos paralelamente ao plenário da Casa, que também realizava uma votação. Pelas regras da Câmara, quando os parlamentares já estão analisando projetos no plenário, não é permitida nenhuma outra votação em comissões.
Pela versão aprovada, os estudantes terão direito ao benefício apenas na categoria 4 de ingressos, na chamada "cota social", que deverá ficar em assentos mal localizados nos estádios. Após uma comissão do Senado alterar o projeto de lei do Estatuto da Juventude, prevendo a meia entrada, o relator do projeto Vicente Cândido fez um novo relatório, suspendendo qualquer lei que dê descontos para os jogos de 2014.
Se não houver mudanças, a meia-entrada valerá também para integrantes do Bolsa Família, e o preço final deverá ficar em US$ 25, com venda por meio de sorteios.
O texto aprovado pela comissão estabelece que os idosos terão desconto em todas as categorias, que inclui ingressos de até US$ 900.
Depois da nova votação na comissão especial da Câmara, o texto da Lei Geral da Copa vai para o plenário da Casa e, posteriormente, segue para o Senado antes de se tornar lei. O governo federal esperava aprovar a Lei Geral da Copa ainda no final do ano passado, e agora a expectativa é que consiga ainda em março.
A garantia de meia-entrada para os idosos em qualquer modalidade de ingresso e para os estudantes, e não mexer no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Torcedor são questões fundamentais. A Associação de mobiliza para que tais direitos sejam assegurados no Projeto de Lei 2330/11.
Não se pode retroceder em conquistas importantes da sociedade brasileira para ceder aos interesses da Federação Internacional de Futebol (Fifa), avalia a PROTESTE, que mantém campanha desde setembro pela manutenção do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Estatuto do Idoso e meia-entrada na Copa 2014.
Haverá prejuízos com a retirada do direito a meia-entrada no Mundial, a venda casada de ingressos liberada na Copa, fim do direito de arrependimento, e a alteração do Estatuto do Torcedor, permitindo a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios