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segunda-feira, 12 de março de 2012

DA ORIGEM DA UNIÃO ESTÁVEL Á NOVA UNIÃO: A HOMOAFETIVA

A palavra concubinato tem origem no latim – concubinatus – cujo significado é de “mancebia” ou “companhia de cama sem aprovação legal”, o que levou à não aceitação desse termo pela sociedade, embora fosse usualmente empregado nos meios jurídicos, atentos a seus dois sentidos, um deles impuro e reprovado, por traduzir-se em qualquer relação, inclusive aquela de uma pessoa casada com quebra do dever de fidelidade, e outro puro e aceito, a retratar a união entre duas pessoas solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, com a presença de um requisito fundamental: a lealdade concubinária.
O legislador brasileiro, ao contrário de outros países, como Cuba, por exemplo, manteve-se, por muito tempo, fiel à concepção de não regulamentar, em texto legal, a figura da união estável.
A primeira tentativa legislativa para incluir a união estável na seara jurídica brasileira foi de iniciativa de Nelson Carneiro, em 1947. O projeto l dispunha acerca dos alimentos, pensão, montepio e meio-soldo, equiparando-se à esposa a companheira de homem solteiro, desquitado ou viúvo.
Somente com a Constituição Federal de 1988 é que se elevou a união estável entre o homem e a mulher ao status de entidade familiar, a merecer a proteção do Estado. Assim sendo, houve a retirada dessas entidades familiares da clandestinidade. O dogmatismo dominante até então colocava as uniões fora do casamento como uma espécie de relação espúria, desrespeitosa aos ditames comportamentais da época, que somente admitiam o casamento como forma de representação social da família.
Filhos havidos destas relações eram vistos como adulterinos, não obstante a convivência more uxorio de seus pais. Mera hipocrisia da sociedade, uma vez que era sabida a notória união de um fato incontestável, apesar da aversão que alguns nutriam aos que a adotavam e reconheciam.
Contudo, ninguém podia deixar de reconhecer que o concubinato sempre caminhou paralelamente à família constituída pelo casamento, sendo difícil não lhe outorgar uma formatação social.
Mas, o concubinato ou companheirismo era visto como se fora uma união ilegal, sem o beneplácito do casamento civil. Havia o casamento religioso, que, por vezes, sacramentava a união e adquiria o respeito de todos; era a exceção à regra. A doutrina brasileira entendia até que o concubino nada mais era do que o vulgar amante.
O emprego do termo união estável passou a predominar também no âmbito do Direito, embora não tenha a precisão técnica da expressão concubinato puro. Consequentemente, a palavra concubino foi substituída pelos termos: companheiro e convivente.
Entretanto, mesmo com o novo texto constitucional provocando grandes mudanças no Direito de Família, por muito tempo os operadores do Direito não conseguiram entender sua aplicabilidade, principalmente o legislador ordinário.
Apesar disto, a própria redação dada ao §3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 pouco ajudou a este novo tipo de família. O texto da Constituição parecia truncado e contraditório em sua essência, que muito deixou a desejar em relação às frustradas expectativas de finalmente ver-se o instituto ora abordado regulamentando satisfatoriamente.
As críticas doutrinárias em relação à redação desse artigo centraram-se no segundo período, qual seja, “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Para os autores que tratam da matéria, o legislador constituinte, ao invés de esclarecer, confundiu instituições totalmente diversas no mundo social e jurídico, dando a entender que estaria criada a possibilidade de um casamento de segunda classe, a ser desembaraçado pela conversão do mesmo, conforme determinasse o legislador ordinário.
 Lei nº 9.278/96 não revogou expressamente a de 1994. As matérias tratadas não eram idênticas, embora intimamente relacionadas, trazendo perplexidade ao intérprete. Assim, certos aspectos da união estável foram regulados com maior clareza pela Lei nº 8.971/94 (alimentos e direitos sucessórios), ao passo que a regulamentação contida na Lei nº 9.278/96 em relação às questões patrimoniais e ao estabelecimento dos deveres e direitos entre os conviventes eram mais contundentes que a lei anterior.
No artigo 1º da Lei, reconheceu-se como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com a finalidade de constituir uma família. Pois bem, não caberia à lei, em regra, definir o conceito de união estável, mas assim o fez o legislador ordinário. Portanto, o legislador forneceu outros requisitos para estabelecer limites que permitam atribuir direitos à sociedade conjugal de fato.
A Lei nº 9.278/96 conceituaria a união estável de uma forma mais abrangente que na Lei nº 8.971/94, dando indícios que veio a complementar o estabelecido no diploma anterior. Silenciou, todavia, no importante quesito referente às impossibilidades, quer sejam legais, quer sejam biológicas, que inviabilizassem a possibilidade de contrair matrimônio (impedimentos), portanto, de formar união estável, uma vez que tendentes ao mesmo fim, qual seja, o da criação de uma família.
Essa diversidade no tratamento da matéria entre as duas leis trouxe ao mundo jurídico, em tese, duas modalidades de união estável. A primeira, definida pela lei de 1994, representada pela união com mais de 05 anos ou com prole comum entre pessoas desimpedidas. E, a segunda, definida pela lei de 1996, referente à união sem qualquer restrição, a não ser a exigência de ser provado o animus de constituição de família. Assim, na segunda hipótese, admite-se, em tese, o concubinato adulterino como apto para a caracterização de uma união estável.
Essa incoerência, segundo alguns autores, poderia vir a prejudicar todo o sistema criado pela doutrina e jurisprudência e depois consolidado ainda que de forma não satisfatória pela Lei nº 8.971/94, segundo a qual apenas podem contrair uma união estável aqueles que possam constituir, dessa união, uma família com base no casamento.
Outro entendimento criou a aberração de um casamento de segunda categoria. Ou seja, poderia o homem casado formar, além do casamento, união estável com mulher que não a sua esposa, contanto que dentro dos padrões estabelecidos pela Lei nº 9.278/96 em seu artigo 1º?
Evidentemente, o entendimento da lei não foi no sentido de viabilizar essas relações, mas tais lacunas criam problemas hermenêuticos de difícil resolução na ordem jurídica.
Vale ressaltar que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, vetou o artigo 3º da Lei nº 9.278/96, que em sua parte final, ressalvava o contrato de convivência ou união estável, o qual restaria sujeito, como requisito essencial à sua validade, às normas de ordem pública atinentes ao casamento, aos bons costumes e aos princípios gerais do Direito. Extraiu-se, desse modo, que o pensamento do legislador ordinário, apesar de mal apresentado para a sociedade, não era o de legitimar o concubinato impuro, relações adulterinas ou incestuosas.
Ademais, o artigo 8º da Lei nº 9.278/96 determinava que os conviventes poderiam, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio. Havia, então, a presunção de que não existia união estável se a mesma não pudesse ser convertida em casamento.
Aliado a esse pensamento, ainda persistia a ideia de alguns doutrinadores, para a caracterização da união estável, sobre a necessidade de coabitação, apesar de a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal ter afirmado que “a vida em comum sob o mesmo teto more uxorio não é indispensável à concretização do concubinato” (verbete 382).
O texto constitucional, seguindo a mesma orientação da súmula do Pretório Excelso, não fez qualquer distinção entre a convivência sob o mesmo teto ou fora dele. Por isso, sem surpresa no art. 1º da Lei nº 9.278/96, quando definiu as características da união estável, não exigiu a convivência sob o mesmo teto.
O professor Euclides de Oliveira lembra-nos para o fato de caracterizar-se a união estável mesmo que a vida em comum não se dê no mesmo domicílio.. E completa: Para o autor abriu-se, assim, a excepcional configuração de união estável à distância, quando residam, os companheiros, em locais diversos, desde que, não obstante esse distanciamento físico, subsista a convivência definida em lei.
Por sua vez, o Código Civil de 2002 incorporou, no seu texto, elementos das Leis 8971/94 e 9278/96. Enumera em seu artigo 1.724 três deveres e direitos recíprocos, que são os mesmos direitos e deveres básicos conjugais, demonstrando maior aproximação ao pensamento daqueles que consideram necessária a igualdade entre união estável e casamento.
Segundo alguns autores, a quebra de um dos deveres estabelecidos daria ao convivente o direito de requerer a dissolução da união estável com discussão de culpa, nos moldes do artigo 1.572 do novo Código Civil. A lógica de tal pensamento estaria no fato de que a obrigatoriedade do respeito a esses deveres só seria tomada em consideração se houvesse uma sanção ao convivente infrator.
Sendo assim, a união estável ganhou foi um contorno de casamento. Para o professor Rodrigo Cunha, apesar de a união estável ser o espaço do não instituído”, à medida que é regulamentada, vai ganhando contornos de casamento.
Para o professor Zeno, a jurisprudência brasileira assentou o entendimento de que a posição do companheiro sobrevivente é similar à do cônjuge supérstite. Salvo a necessidade de alguns ajustes, não se via na doutrina pátria nenhuma objeção mais profunda sobre a forma como a matéria foi disciplinada. Esse posicionamento é fruto da inovação legislativa que, para muitos, configura um total retrocesso em relação aos direitos sucessórios alcançados pelos conviventes em face da evolução legislativa da última década.
A sucessão entre companheiros foi tratada, pelo Código Civil de 2002, de uma maneira totalmente estranha. Enquanto o cônjuge passou a ser considerado herdeiro necessário e, em situação privilegiada, o companheiro é considerado herdeiro facultativo e, em posição muito inferior à ocupada até a entrada em vigor do novo Código Civil.
É preciso alertar que a sucessão entre companheiros está vinculada aos “bens adquiridos na constância da união estável”, conforme caput do artigo 1790 do Código Civil.
Ademais, a distinção legislativa entre concubinato e união estável fazia-se necessária para aplicar as medidas e consequências jurídicas em cada um dos institutos. Os direitos e deveres decorrentes de uma união estável passaram a ser buscados no campo do Direito de Família utilizando-se marcos teóricos.
O concubinato, por seu turno, foi definido pelo Código Civil de 2002, no artigo 1.727 como relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar. Ou seja, considerado, ainda, como adulterino ou paralelo ao casamento ou a outra união estável. Para manter-se a coerência no ordenamento jurídico brasileiro, deve valer-se da teoria das sociedades de fato e, portanto, do campo obrigacional. A aplicação da Súmula 380 do STF, para tais casos, é plenamente possível.
Como se vê, a evolução ainda é lenta e gradual. Basta atentar para um detalhe importante e que ressalta no exame do dispositivo constitucional: é o relacionado ao fato de que a união estável somente pode ser estabelecida em uma entidade familiar “entre o homem e a mulher”.
Entretanto, o Direito tem que evoluir junto com a sociedade. Sendo assim, com o ajuizamento da ADI 4277 e a ADPF 132 buscou-se a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Com o brilhatismo que lhe é peculiar, o ministro Carlos Ayres Britto concluiu seu voto sustentando que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, assim, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
Observou muito bem o Ministro Carlos Ayres que “o sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, concluindo, assim, que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide com o preceito inserido neste artigo.
Nada mais lógico e natural que essa evolução de união espúria tida no começo pudesse amparar também pessoas unidos pelo amor e não por sua sexualidade. Não faz mais sentido falar em união entre homens e mulheres no mundo onde a família deixou de ser uma forma de sobrevivência financeira nos grupos ruralescos e passou a ser família no sentido mais significativo para o ser humano: o amor. Amar não tem sexo, cor, idade. Amar é amar em qualquer língua, país, planeta. Quanto mais se dá amor mais se recebe amor. E, proibir a união homoafetiva hoje em dia é proibir o direito de amar.

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