"Sem medo da verdade."

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Entre 30 países com maior carga tributária do mundo, Brasil dá menor retorno à população


Estudo realizado com os 30 países do mundo com maior carga tributária mostra que o Brasil apresenta o pior desempenho em retorno de serviços públicos à população. A arrecadação de impostos no País atingiu a marca de R$ 1,5 trilhão em 2011 e ultrapassou o patamar de 35,13% em relação ao PIB. Os números são do documento "Estudo sobre Carga Tributária/PIB X IDH", realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Entre os 30 países, a Austrália apresenta o melhor desempenho em termos de retorno à população dos impostos pagos. O ranking foi feito com base no Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (Irbes), criado pelo instituto como resultado de cálculo que leva em conta a carga tributária segundo a tabela da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2010 e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com a previsão do índice final para 2011. Quanto maior o valor do IRBES, melhor é o retorno da arrecadação dos tributos para a população.

Extraído de: Associação do Ministério Público do Ceará  - 25 de Janeiro de 2012

OS SETE PECADOS DE UM PREFEITO CORRUPTO


01- Sinais exteriores de riqueza
02- Resistência a prestar contas
Se o prefeito dificulta o acesso à informação, especialmente sobre os gastos da Prefeitura, desconfie. Por lei, todo cidadão tem direito a esse tipo de informação. O município deve deixar à disposição da população, no serviço de contabilidade, uma cópia da prestação de contas do exercício anterior, pela Lei Federal o dia 15 de abril de cada ano é o dia limite a cada ano para que a prestação de conta seja apresentada à população.
03- alta ‘crônica’ de verba
O orçamento da Prefeitura é calculado para cobrir os serviços básicos da cidade. Sinais de abandono ou negligência podem ser indicadores de má administração ou desvio de recurso público.
04- Parentes e amigos empregados
Um dos artifícios mais utilizados para o pagamento de favores de campanha é a contratação de correligionários, amigos e parentes no serviço público sem necessidade real, os departamentos mais cobiçados são: assistência social, finanças, saúde e educação.
05-Não divulgação dos gastos públicos (falta de transparência)
A Lei Orgânica do Município obriga o prefeito, mesmo aqueles que são coronéis a divulgar diariamente o movimento do caixa do dia anterior. Ele também deve tornar público o balancete mensal da Prefeitura.
06-Transferências de verbas orçamentárias
Remanejamentos de grandes somas são suspeitos. Desconfie de transferências de verbas acima de 5%. O prefeito pode subverter todas as prioridades originais com grandes transferências entre as rubricas. Isso pode em algumas situações ser feito para atender necessidades emergenciais, mas na maioria das vezes é feita para atender interesses eleitorais e pessoais dos prefeitos. É preciso uma análise cuidadosa das transferências, e elas deveriam ser analisadas pela Câmara Municipal.
07- Perseguição àqueles que denunciam as peripécias do dito cujo
Os corruptos tentam eliminar qualquer obstáculo ao seu esquema de enriquecimento ilícito. Um sinal de que há corrupção é quando há perseguição a quem tenta desafiá-los. Se o seu prefeito comete pelo menos um desses “pecados” fique de olho, reúna provas e denuncie.
O exercício da cidadania pressupõe indivíduos que participem da vida comum. Organizados para alcançar o desenvolvimento do local onde vivem, devem exigir comportamento ético dos poderes constituídos e eficiência nos serviços públicos. Um dos direitos mais importantes do cidadão é o de não ser vítima da corrupção.
De qualquer modo que se apresente, a corrupção é um dos grandes males que afetam o poder público, principalmente o municipal. E também pode ser apontada como uma das causas decisivas da pobreza das cidades e do país.
A corrupção corrói a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, deteriora o convívio social, arruína os serviços públicos e compromete a vida das gerações atuais e futuras. O desvio de recursos públicos não só prejudica os serviços urbanos, como leva ao abandono obras indispensáveis às cidades e ao país. Ao mesmo tempo, atrai a ganância e estimula a formação de quadrilhas que podem evoluir para o crime organizado e o tráfico de drogas e armas. Um tipo de delito atrai o outro, e quase sempre estão associados. Além disso, investidores sérios afastam-se de cidades e regiões onde vigoram práticas de corrupção e descontrole administrativo. Os efeitos da corrupção são perceptíveis na carência de verbas para obras públicas e para a manutenção dos serviços da cidade, o que dificulta a circulação de recursos e a geração de empregos e riquezas. Os corruptos drenam os recursos da comunidade, uma vez que tendem a aplicar o grosso do dinheiro desviado longe dos locais dos delitos para se esconderem da fiscalização da Justiça e dos olhos da população.
A corrupção afeta a qualidade da educação e da assistência aos estudantes, pois os desvios subtraem recursos da merenda e do material escolar, desmotivam os professores, prejudicam o desenvolvimento intelectual e cultural das crianças e as condenam a uma vida com menos perspectivas de futuro.
A corrupção também subtrai verbas da saúde, comprometendo diretamente o bem-estar dos cidadãos. Impede as pessoas de ter acesso ao tratamento de doenças que poderiam ser facilmente curadas, encurtando as suas vidas.
O desvio de recursos públicos condena a nação ao subdesenvolvimento econômico crônico.
Por isso, o combate à desonestidade nas administrações públicas deve estar constantemente na pauta das pessoas que se preocupam com o desenvolvimento social e sonham com um país melhor para seus filhos e netos. Os que compartilham da corrupção, ativa ou passivamente, e os que dela tiram algum tipo de proveito, devem ser responsabilizados. Não só em termos civis e criminais, mas também eticamente, pois os que a praticam de uma forma ou de outra fazem com que seja aceita como fato natural no dia-a-dia da vida pública e admitida como algo normal no cotidiano da sociedade.
É inaceitável que a corrupção possa ter espaço na cultura nacional. O combate às numerosas modalidades de desvio de recursos públicos deve, portanto, constituir-se em compromisso de todos os cidadãos e grupos organizados que queiram construir uma sociedade justa e solidária.
Em ambiente em que a corrupção predomine dificilmente prospera um projeto para beneficiar os cidadãos, pois suas ações se perdem e se diluem na desesperança. De nada adianta uma sociedade organizada ajudar na canalização de esforços e recursos para projetos sociais, culturais ou de desenvolvimento de uma cidade, se as autoridades municipais, responsáveis por esses projetos, se dedicam ao desvio do dinheiro público.
POR ELIAKIM ARARUNA

Valerá a Lei Ficha Limpa para as Eleições 2012?


Diante dos tantos questionamentos judiciais e da celeuma envolvendo a não aplicação da Lei Complementar nº 135/2010, a chamada Lei da “Ficha Limpa” às últimas eleições presidenciais, é notória a incerteza e a descrença da sociedade civil na sua efetiva aplicabilidade nas eleições municipais que se avizinham. De sorte que, é inquietante a seguinte indagação: valerá a Lei “Ficha Limpa” para as eleições municipais de 2012? A resposta mais sensata a nosso ver é depende. Depende da decisão a ser proferida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC de nºs 29 e 30, propostas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), respectivamente, e da Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI nº 4578, proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), nas quais as duas primeiras pleiteiam a declaração, pela Suprema Corte, da constitucionalidade da lei, e a segunda objetiva declaração oposta, ou seja, a inconstitucionalidade da norma. Caso o STF julgue ser inconstitucional a comentada lei, esta, obviamente, não se aplicará às próximas eleições, muito menos a qualquer outra. Ou seja, a lei perderá sua validade e deixará de integrar o arcabouço legal vigente. No entanto, caro leitor! Essa possibilidade, na modesta percepção deste colunista, é remotíssima. Explica-se.
No julgamento das aludidas ações, iniciado no  dia 09 de novembro de 201, naquela Corte de Justiça, o relator das ações, Ministro Luiz Fux, apresentou seu voto favorável à constitucionalidade da lei “Ficha Limpa”. O Ministro, no entanto, fez duas ressalvas em relação à lei. Para ele, a alínea “e” do parágrafo 7º do artigo 1º deve ser alvo do que se chama de interpretação conforme a Constituição pelo Supremo. Ou seja, não será julgada inconstitucional, mas será modificada a partir da leitura dos ministros sobre a regra.
De acordo com a mencionada alínea, ficam inelegíveis “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. O ministro propôs que o período entre a decisão que o tornou inelegível e o trânsito em julgado da decisão seja subtraído do prazo de inelegibilidade previsto na lei.
A segunda ressalva diz respeito aos políticos que renunciam aos cargos para escapar de responder a processo de cassação. Pela lei, a renúncia para escapar do processo torna o político inelegível por oito anos. Na visão de Fux, só podem ser impedidos de concorrer os que renunciarem depois de aberto processo que pode culminar com a cassação do mandato.
A despeito da presunção de inocência, um dos pontos mais polêmicos da nova Lex, o ministro afirmou que esta sempre foi tida como absoluta, porém “pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar nº 135/10″.
Por enquanto o julgamento está suspenso por conta de um pedido de vista do também Ministro Joaquim Barbosa, que justificou que o fez para evitar novo impasse e avisou que só trará o processo para julgamento depois da posse da nova ministra da Corte, Rosa Maria Weber. Depois da sessão, Joaquim Barbosa declarou que seu pedido presta-se a impedir uma possível instabilidade na decisão sobre o caso.
Outro ponto que merece destaque é a intransigente defesa da OAB para que seja declarada a constitucionalidade da lei. Durante a sustentação oral na sessão plenária de julgamento das ações suprarreferidas, o presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, afirmou que “a sociedade vem à Suprema Corte para dizer que não aceita mais esse caciquismo, todo o clientelismo e a falta de decoro que marcam a condução dos cargos públicos e que marca a política de nosso país”, e continuou, “a vida pregressa de uma pessoa é o que ela aplica à sua vida política e ao convívio em sociedade, atos e fatos que não podem, de forma alguma, serem deixados de lado no momento de avaliar se se deve ou não proceder à candidatura de alguém”,
Nesse ponto, não podemos deixar de alinhar o nosso pensamento ao do Ilustre presidente da OAB, eis que entendemos que o patrimônio moral, ético e a probidade de qualquer cidadão, essencialmente do homem público, deve se lastrear nos seus atos e na sua conduta social, e outra forma não há, de se aferir tais atributos, senão a análise da vida pregressa do indivíduo. É a conduta do concorrente ao cargo eletivo perante a sociedade que irá lhe habilitar ou não de ser digno da confiança do eleitorado.

A Advocacia Geral da União – AGU, por sua vez, na pessoa do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, corroborou os argumentos do presidente da OAB observando que “a representação parlamentar é essencial para a qualidade da nossa democracia”. E, como disse, “o aperfeiçoamento desta passa pela necessidade de garantir, na representação política, a legitimidade dos representantes da sociedade nos legislativos do país”. Há que se considerar também o parecer favorável do Procurador Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel, no qual disse que deve ser declarada a constitucionalidade da LC 135/2010. Para ele, o pedido feito nas ADCs 29 e 30 é procedente, e a ADI 4578 improcedente, pois entende que a norma é constitucional. Por todo o quanto exposto, e pela pressão exercida pela sociedade civil organizada, é que entende-se que será difícil o STF declarar a inconstitucionalidade da lei em questão. E assim, não o declarando aquela Corte, a lei estará em plena vigência.
Ademais disso, vislumbra-se no julgamento do STF, um divisor de águas entre o que existe hoje no campo político, e o que a sociedade – de cuja iniciativa nasceu a Lei “Ficha Limpa”, terá com a declaração de constitucionalidade da lei. Destarte, o Tribunal não pode ficar alheio aos anseios da sociedade.

Portanto, respondendo a questão colocada como título do presente artigo, a Lei “Ficha Limpa” terá efetiva aplicabilidade nas eleições municipais de 2012. Na mais pessimista das hipóteses, se ocorrer do Supremo não concluir o julgamento até a realização do pleito eleitoral, a lei deverá ser aplicada, eis que acha-se em plena vigência ante a presunção de constitucionalidade e validade das leis emanadas do Poder Legislativo, conforme, inclusive, consignou o Ministro Luiz Fux em seu voto.

POR GENIVALDO ALVES BATISTA. Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito – EPD, Especialista em Advocacia Previdenciária pela Escola Superior da Advocacia – ESA/SP

A LEI DA FICHA LIMPA


O MINISTRO DO STF Gilmar Mendes defendeu a aplicação da Ficha Limpa só em 2012 por entender o artigo 16 da Constituição Federal como uma cláusula pétrea que precisa ser respeitada por garantir que determinadas minorias não tenham seus direitos políticos cerceados pelas maiorias quando o processo eleitoral já está em curso, no entendimento de Mendes iniciado um ano antes do pleito. O STF teria, portanto, de agir de forma contra-majoritária para proteger direitos das minorias e a Constituição e a lei complementar n° 135 de 2010 não teria nenhum status diferenciado por ser uma lei originada de iniciativa popular, portanto ela também deveria ser submetida à Magna Carta, segundo Mendes. (BORGES, Laryssa. Gilmar Mendes vota contra a Ficha Limpa em 2010; 4 são a favor. 2011) Luiz Fux foi outro ministro a votar contra a aplicação imediata da norma e isso porque ela teria de se submeter à Constituição, mesmo sendo “um dos mais belos espetáculos democráticos”, para ele tudo era apenas uma questão de técnica judiciária, de submeter a norma inferior à superior.  Assim ela não poderia ser aplicada já nas eleições de 2010, pois assim geraria surpresas no processo eleitoral, “tornando incerto o que era certo”, violando a segurança jurídica que é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito, como diz Luiz  Fux. (BORGES, Laryssa. Fux vota pela validade da lei da Ficha só em 2012. 2011) Os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Dias Toffoli e Cézar Peluso usaram de argumentos muito semelhantes aos de Mendes e Fux para afirmarem que a lei da Ficha-Limpa só valeria nas eleições municipais de 2012 Ronald Dworkin, para que analisemos se a decisão do STF foi acertada e se a visão que temos de Dworkin corrobora ou com a interpretação tecnicista ou com aquela que prioriza a moralidade e  a soberania popular. Dworkin (2003) ao abordar essa concepção do que é o fazer jurídico, não o entende como um mero ato de procura no passado das normas a serem aplicadas no presente ou como estabelecimento de políticas a serem perseguidas no futuro, mas “[que] começa no presente e só se volta para o passado na medida em que o enfoque contemporâneo assim o determine”(DWORKIN, Ronald. Império do Direito. 2003. Pág. 274) e pautada no reconhecimento de que “as declarações do direito são sempre construtivas”(Idem. Op. Cit. Pág.274), de que o direito é algo a ser aperfeiçoado pelos juízes no processo de aplicação das normas. Dworkin, então, na nossa visão, não concordaria com a posição de Luiz Fux de que, para se resolver o impasse da eficácia ou não da lei complementar nº 135 já no pleito de 2010, teríamos de fazer apenas uma técnica de subsunção da norma em questão à Constituição, como se o juiz visse a Carta Magna como algo já posto e insensível as exigências sociais e morais da realidade atual. A decisão tomada pela nossa Suprema Corte, para nós nesse caso, pões os juízes dela como importantes construtores de nossa prática jurídica, seja em suas interpretações  priorizando a justiça abstrata e o devido processo legal, ou o principio da equidade.Os ministros do STF poderiam ter entendido que a comunidade unida por princípios elaborou a Ficha Limpa através do projeto de iniciativa popular por causa da necessidade de moralização da política, ou que, que nossa sociedade valorizava mais uma segurança jurídica dogmática para continuar a construção de um direito estável, não submetido a arbitrariedades, mas que dessa forma se fechava as mutações sociais.
Dworkin vai apontar para nós a melhor maneira de resolver esse impasse, a sua “resposta correta”:
“[...] Poderia, então, decidir que a interpretação em que o Estado insiste no ponto de vista que ele considera correto, mas vai contra os desejos do povo com um todo, é a mais pobre em termos gerais. Em tais circunstâncias, estaria preferindo a equidade à justiça, e essa presença refletiria um nível superior de suas próprias convicções políticas, a saber, suas convicções sobre com um governo decente, comprometido tanto com a equidade quanto com a justiça, deveria decidir entre as duas nesse tipo de caso. [...]” (DWORKIN, Ronald. Império do Direito. 2003. Pág. 299. Grifo nosso.) Hércules então escolheria a equidade, o desejo que a população demonstrou ao apresentar o projeto de lei “Ficha Limpa” ao Congresso de necessidade de moralização da vida pública, porque só assim ele daria uma decisão que faria jus a nossa história de reconstrução democrática iniciada em 1988, pois uma democracia verdadeira só existe quando: a máquina pública não é usada para fins pessoais, o governo é transparente, o político não tem tantas maneiras de se manter impune e assim a população pode fiscalizá-lo de maneira mais eficaz. Optando pela aplicação imediata mostraria a comunidade brasileira unida pelos melhores princípios, pelos princípios da democracia e da moralidade, que caminham lado a lado. Já a opção pela interpretação que privilegia de forma absoluta segurança jurídica é descartada, por que o formalismo excessivo no Brasil só serviu para encobrir desigualdades, manter os poderosos no poder, para a construção de modelos autoritários, ou seja, seria optar por mostrar a comunidade brasileira continuando uma história de imoralidade política e desconsideração da vontade popular. Habermas vai dizer que o direito moderno se caracteriza por nele haver uma “tensão entre facticidade e validade”, ou seja, suas normas se caracterizam por serem cumpridas pelos indivíduos através da imposição de sanções pelo Estado através dos tribunais, quanto por serem consideradas legítimas por eles e assim são aceitas voluntariamente. (HABERMAS, 1997)
A legitimidade de uma lei para Habermas se fundamenta e:
“[...] se mede pela resgatabilidade discursiva de sua pretensão de validade normativa; e o que conta, em última instância, é o fato de elas terem surgido em um processo legislativo racional – ou o fato de que elas poderiam ter sido justificadas sob pontos de vista pragmáticos, éticos e morais[...]” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. Volume I. 1997. Pág. 50.)
O direito só tem então sentido para Habermas se originado em uma democracia discursiva, na medida em que ele mesmo é instrumento de integração social que ocorre por meio de uma troca argumentativa entre os cidadãos, que tem como pano de fundo o “mundo da vida” e na qual os melhores argumentos se impõem e eles podem afirmar sua autonomia ao “supor que eles mesmos, numa formação livre da opinião e vontade política, autorizaram as regras às quais eles estão submetidos como destinatários” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. Volume I. 1997. Págs. 59 e 60) A Ficha Limpa teria, então, uma dupla importância para esse entendimento de Direito Habermasiano. A primeira importância surge porque ela foi um fruto de um projeto de lei que foi apresentado ao Congresso Nacional pela população através de um grupo que procurou sempre, ao recolher o número necessário de assinaturas para ele ser aprovado, conseguir o apoio social através do convencimento pelos melhores argumentos e isso principalmente através da internet.   O Estado Democrático de Direito se fundamenta no fato de que o legislativo toma suas decisões sempre com base nos “melhores argumentos de cunho éticos, morais e pragmáticos” que exprimam a vontade social, como assevera Jürgen Habermas. É uma norma que também surge para impedir que interesses de grupos minoritários, mas economicamente fortes, não encontrem, em representantes corruptos, canais para se imporem. Essa é também outra faceta da tensão entre facticidade e validade no direito, o fato de que ele deve sempre procurar disciplinar as pressões externas, ilegítimas, para que elas também sejam subordinadas ao jogo democrático, segundo Habermas. Assim a Lei da Ficha Limpa surge como uma norma que permite a integração social através da democracia de uma forma mais pura, sem as máculas da corrupção,  algo que permite a um ator social assumir enfoque performativo em relação ao direito como diria Habermas. Concluímos então com Jürgen  Habermas que a lei da Ficha Limpa é de extrema importância porque surgiu da iniciativa popular, a sociedade colocou-se então como autora de seu próprio direito. Já a decisão do STF de adiar sua aplicação para as eleições municipais de 2012 vai contra a verdadeira segurança jurídica, que se reflete na aceitabilidade racional das leis e decisões judiciais, porque desse modo a nossa mais alta Corte engessou o direito e fechou seus ouvidos para os argumentos apresentados pela sociedade. Após analisar as interpretações dos juízes do STF expostas no decorrer do artigo, concluímos que a decisão da maioria destes juízes de adiar a eficácia da lei complementar nº 135 de 2010 foi inapropriada, nas palavras de Dworkin não seria a decisão correta para um caso que envolvia um conflito entre a soberania popular e uma segurança jurídica formalista, entre direitos das minorias e os das maiorias. Isso porque nossa interpretação da teoria de direito de Dworkin, o direito como integridade, faz nos crer que a decisão que deveria ser tomada por nossa Suprema Corte não deveria apenas estar em correspondência com o passado, mas também deve estar em concordância com os preceitos morais do presente, mostrar a prática jurídica como produto de uma comunidade unida pelos princípios mais equitativos, que para nós são os da democracia e da moralidade política. Habermas, para nós, só corrobora essa decisão a qual um juiz Hércules hipotético chegaria no lugar de Fux, porque esse autor vai dizer que o direito tem que ser cumprido por ser legítimo, ser fruto da auto-legislação argumentativa social, e assim a Ficha Limpa não pode tornada ineficaz porque ela é tanto fruto quanto meio dessa auto-legislação, pois a purifica da corrupção. A decisão do STF é que, na verdade, foi contra a verdadeira segurança jurídica, porque se fundamentou em um direito estático, que não se adéqua aos clamores do povo e que não procura a argumentação para promover a integração social. Analisando o modelo de tribunal constitucional de Kelsen, chegamos à conclusão de que se o STF procurasse tomar uma posição, enquanto instituição, de promover debates jurídicos-políticos nos  quais apresentar-se-ão os melhores argumentos até que se chegue a um consenso, em vez de seguir o modelo norte-americano de análise tecnicista e voltado para o espetáculo midiático, ele poderia então agir como um Juiz Hércules que promovesse a integração social. Ressaltemos então que a segurança jurídica não pode ser encarada como um entrave para que a população adéqüe o direito as suas necessidades, mas que o descompasso entre a realidade jurídica e os anseios do povo gera um clima de insatisfação, de frustração no povo, que leva a verdadeira insegurança jurídica, porque não faz sentido seguir um direito que deixa de ser instrumento do homem para ser um fim por si. Para nós, se fosse aplicada imediatamente a Lei da Ficha Limpa tanto se respeitaria a soberania popular quanto a Constituição, porque é nela que se prevê a necessidade de moralização da política a partir de estabelecimentos de critérios que permitam as pessoas escolherem representantes digno. Este é só o passo inicial para que se expulse a corrupção de nosso Estado Democrático de Direito, pois será ainda mais necessário uma maior transparência.
POR Lucas Thalys de Araújo Rocha &  Lucas Souza Pereira

Limpeza Ética e Naturalização da Corrupção no Brasil


O termo limpeza ética tem sido muito relatado na opinião pública brasileira recente, uma vez que tem havido uma disposição do governo federal para demitir funcionários e altos cargos dos ministérios que se envolvem com corrupção.  A idéia de uma limpeza ética corresponde a uma metáfora de extirpação de um câncer que acomete o governo. De fato, pesquisas de opinião pública sobre percepção da corrupção mostram que ela seria algo natural ao brasileiro. O político brasileiro seria naturalmente corrupto e não haveria uma forma de fazer política sem que ela estivesse presente.
Esta metáfora de que a corrupção representaria uma endemia que acomete o corpo político muitas vezes é utilizada no Brasil, tanto na ordem do senso comum, quanto na ordem do conhecimento especializado. Mas ela incorre em um erro fundamental, porque cria a ilusão de que a corrupção pode ser combatida moralmente e que existe a possibilidade concreta de uma vida política sem corrupção. Ela suscita a idéia de que mais ética na política pode ser uma solução eficiente para combater a corrupção.
A ideia de uma limpeza ética incorre no erro de não perceber que a corrupção hoje no Estado brasileiro é sistêmica. O presidencialismo de coalizão no Brasil promove a governabilidade à medida que os partidos políticos recebam um naco dos recursos públicos disponíveis. A construção de bases de sustentação do governo no Congresso passa ao revés da eficiência exigida pela gestão pública contemporânea. Entretanto, esse processo não corresponde àquilo esperado pelo interesse público. A aprovação de medidas do governo ocorre em torno de um automatismo da base de apoio do governo, em que a questão do interesse público pouco importa ao Congresso. Ao mesmo tempo, as bases do presidencialismo de coalizão não permitem que o Legislativo exerça um de seus papéis fundamentais, que é o de controlar o governo.
Associe-se a isso uma opinião pública que desconfia fortemente das instituições políticas, e cria-se a base para a defesa de que o combate à corrupção ocorre de modo a fortalecer uma concepção ética. O Brasil tem história o suficiente para demonstrar que esta não é uma boa solução. A resposta ao mar de lama do Catete nos anos de 1950 e 1960 foi a instauração de uma ditadura em 1964, a qual prometia o fim da corrupção e a defesa dos valores éticos. A eleição de Collor em 1989 foi movida pela “caça aos marajás” e resultou em um dos maiores escândalos de corrupção da história do Brasil. O Partido dos Trabalhadores, que tanto defendeu a ideia de mais ética na política, se envolveu e tem se envolvido em diferentes esquemas de corrupção.
A ideia de que uma limpeza ética é suficiente para combater a corrupção não permite perceber que a malversação de recursos públicos é sistêmica no Brasil. E, como tal, exige uma resposta sistêmica, que não passa pela defesa de mais ética na política. Passa, porém, pelo aprimoramento das instituições. Também não permite perceber que a corrupção é uma condição normal da vida política. Normal, aqui, não significa que ela deva ser endossada, mas que, uma vez que a corrupção ocorra, haja instrumentos institucionais suficientes para controlá-la e puni-la.
A defesa de mais ética na política e a possibilidade de um combate moral à corrupção proporcionam ideias perturbadoras na opinião pública. Uma vez que a impunidade dos crimes de corrupção impera no Brasil, a sociedade atribui que o câncer da corrupção só seria extirpado com um messias capaz de purificar a política nacional. E, para isso, esse salvador deveria ser investido de todos os poderes, uma vez que a autoridade democrática não é enérgica contra a corrupção. Como afirmamos anteriormente, essa não é uma boa escolha política, porque a corrupção, assim pensada, degenera a democracia.
O tratamento do fenômeno da corrupção no Brasil deve partir da premissa de que ela é uma condição normal da política e que pode ser diminuída e controlada. Para isso, é fundamental que as instituições da democracia funcionem bem e que possam ser capazes de prestar contas aos cidadãos de seu desempenho. O curioso disso tudo é que o Brasil, desde 1988, tem proporcionado um desenvolvimento institucional importante, que tem tornado a corrupção mais desvelada. A autonomia do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, a criação da Controladoria Geral da União e a atuação da Polícia Federal mostram isso. Mas, apesar de haver o desenvolvimento de instituições, isso não parece ter sido suficiente para diminuir a corrupção.
Nesse sentido, precisamos falar em controle da corrupção e não em seu combate. Precisamos rever a ideia segundo a qual a corrupção pode ser extirpada por uma ética política mais sólida. Uma vez que a corrupção no Brasil tem se mostrado sistêmica, é necessária uma resposta sistêmica, que seja capaz de olhar para o fluxo dos processos de controle e identificar as falhas que permitem a impunidade e a alimentação permanente na opinião pública da idéia de que a corrupção é natural à política brasileira. Ela não é. E, por não ser, é necessário que as instituições sejam atuantes. A Polícia Federal, o TCU e a CGU, juntos com o Ministério Público, têm desvelado a corrupção à brasileira e proporcionado uma devassa em governos e partidos. Mas disso não se pode sustentar a idéia de que uma limpeza ética é condição suficiente para diminuir a corrupção.
Assim sendo, precisamos que as instituições da democracia funcionem melhor. Por isso é fundamental manter e aprofundar a agenda da reforma política e do Estado. É fundamental que as instituições democráticas funcionem bem, de maneira a não permitir que uma onda fortemente conservadora e autoritária, decorrente de uma desconfiança cada vez maior em relação à política brasileira, venha a abater os ganhos e as inovações proporcionadas pela democracia.

*Por: Fernando Figueiras é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

A CORRRUPÇÃO BRASILEIRA É ENDÊMICA


 Um dos mais graves problemas enfrentados pela coletividade é justamente o de garantir uma administração honesta , o que atualmente parece ser uma utopia, vez que diuturnamente a população brasileira testemunha, estarrecida, inúmeros escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos e políticos de diversos escalões, que agem de forma a capturar o Estado fazendo com que ele funcione a seu favor, numa total inversão de valores, que aumenta ainda mais o abismo social, exterminando direitos essenciais da população, deixando o Brasil numa triste posição no cenário mundial: de um País com um dos mais altos índices de desigualdade social, com diversas regiões entre aquelas com o menor índice de desenvolvimento humano do planeta.     O Quadro realmente é desanimador. Vive o sofrido povo brasileiro uma verdadeira era de desencantos. Porém, não há como aceitar passivamente esse quadro de desolação, de descaso com a coisa pública. Com efeito, os atos caracterizadores de improbidade administrativa, pelos seus efeitos deletérios, devem ser controlados e combatidos com a máxima efetividade, vez que representam grande risco para a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito, mormente através de uma de suas faces mais perversa: a corrupção, cujo combate tem que estar enraizado no coração e na mente de cada um, e que, de forma metafórica, é como um “cano de água” quando em seu percurso há diversos furos, o que importa em desperdício de uma necessidade vital da pessoa humana.    A política brasileira sempre se alimentou do dinheiro da corrupção. Não todos os políticos. Muitos são íntegros, têm vergonha na cara e lisura no bolso. Porém, as campanhas são caras, o candidato não dispõe de recursos ou evita reduzir sua poupança, e os interesses privados no investimento público são vorazes.Corrupção. Arma-se, assim, a maracutaia. O candidato promete, por baixo dos panos, facilitar negócios privados junto à administração pública. Como por encanto, aparecem os recursos de campanha.    Eleito, aprova concorrências sem licitações, nomeia indicados pelo lobby da iniciativa privada, dá sinal verde a projetos superfaturados e embolsa o seu quinhão, ou melhor, o milhão. Para uma empresa que se propõe a fazer uma obra no valor de R$ 30 milhões – e na qual, de fato, não gastará mais de 20, sobretudo em tempos de terceirização – é excelente negócio embolsar 10 e ainda repassar 3 ou 4 milhões ao político que facilitou a negociata.    Conhecemos todos a qualidade dos serviços públicos. Basta recorrer ao SUS ou confiar os filhos à escola pública. (Todo político deveria ser obrigado, por lei, a tratar-se pelo SUS e matricular, como propõe o senador Cristovam Buarque, os filhos em escolas públicas). Vejam ruas e estradas: o asfalto cede com chuva um pouco mais intensa, os buracos exibem enormes bocas, os reparos são frequentes. Obras intermináveis…A ideia que se tem é que o dinheiro público não é de ninguém. É de quem meter a mão primeiro. E como são raros os governantes que, como a presidente Dilma, vão atrás dos ladrões, a turma do Ali Babá se farta.    Meu pai contava a história de um político mineiro que enriqueceu à base de propinas. Como tinha apenas dois filhos, confiou boa parcela de seus recursos (ou melhor, nossos) à conta de um genro, meio pobretão. Um dia, o beneficiário decidiu se separar da mulher. O ex-sogro foi atrás: “Cadê meu dinheiro?” O ex-genro fez aquela cara de indignado: “Que dinheiro? Prova que há dinheiro seu comigo.” Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Hoje, o ex-genro mora com a nova mulher num condomínio de alto luxo.    Sou cético quanto à ética dos políticos ou de qualquer outro grupo social, incluídos frades e padres. Acredito, sim, na ética da política, e não na política. Ou seja, criar instituições e mecanismos que coíbam quem se sente tentado a corromper ou ser corrompido; ‘A carne é fraca’, diz o Evangelho. Mas as instituições devem ser suficientemente fortes, as investigações rigorosas e as punições severas. A impunidade faz o bandido. E, no caso de políticos, ela se soma à imunidade. Haja ladroeira!Daí a urgência da reforma política – tema que anda esquecido – e de profunda reforma do nosso sistema judiciário. Adianta a Polícia Federal prender, se, no dia seguinte, todos voltam à rua ansiosos por destruir provas? E ainda se gasta saliva quanto ao uso de algemas, olvidando os milhões surrupiados… e jamais devolvidos aos cofres públicos. Ainda que o suspeito fique em liberdade, por que a Justiça não lhe congela os bens e o impede de movimentar contas bancárias? A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Os corruptos sabem muito bem o quanto ele pode ser agraciado ou prejudicado.As escolas deveriam levar casos de corrupção às salas de aula. Incutir nos alunos a suprema vergonha de fazer uso privado dos bens coletivos. Já que o conceito de pecado deixou de pautar a moral social, urge cultivar a ética como normatizadora do comportamento. Desenvolver em crianças e jovens a autoestima de ser honesto e de preservar o patrimônio público.  
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. " (Rui Barbosa)
 POR  FREI BETTO




terça-feira, 24 de janeiro de 2012

VOTO NO BRASIL: INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA E DA DEMAGOGIA


Atualmente, embora o Brasil seja reconhecido pela agilidade de suas eleições, modelo no aspecto da informatização, considerada à prova de fraude, impende asseverar que, o voto continua a ser barganhado, uma moeda de troca, subsistem  os currais eleitorais, voto de cabresto, e políticos coronéis existem aos montes.
Continuamos a padecer de uma educação deficiente e indigna, e de uma desigualdade social gritante, e nesse contexto, fundado sobre essa base, o voto permanece sendo utilizado para a manutenção do poder, uma forma de forjar uma legitimidade que se analisada mais a fundo, não se sustenta.
  É força admitir que muitos direitos e garantias se encontram etéreos, dormindo a em estado letárgico do formalismo. O que implica desconsideração da dignidade da pessoa humana, atributo inafastável do ser humano, e que os direitos fundamentais se encarregam de dar suporte.
Muitos dos direitos apregoados não são cumpridos de maneira satisfatória, citando-se alguns deles como saneamento básico, saúde, moradia etc., e que por isso a cidadania fica comprometida, e por corolário, esvazia a força da democracia, pois essa deve ser exercida por cidadãos plenos para que se atinja o escopo precípuo da participação e representação conscientes que reclama a soberania popular.
   É importante a garantia dos direitos na Constituição, e a nossa Carta Magna de 1988 trouxe significativo avanço, foi a primeira no Brasil que colocou no corpo constitucional os direitos fundamentais antes da organização do Estado.    Contudo, soa demagogia expressar tantas garantias e direitos sem que os seus destinatários estejam aptos a exercê-los, basta se atentar para o fato de que temos uma taxa absurda de analfabetismo e pobreza. Fora a falta de instrumentos e mecanismos capazes de operacionalizar a estrutura de garantias constitucionais.
            Se em centros mais desenvolvidos isso se constitui em prato cheio para políticos inescrupulosos, que dirá dos distantes rincões em que ainda impera o domínio dos “coronéis”. Aristóteles quando formulava suas teses acerca das formas puras e impuras de governo, versava que a democracia seria sua forma pura, enquanto a demagogia sua degeneração.
            Dessa forma, afigura-se meio demagógico não providenciar os meios disponíveis para preparar o cidadão para participar de forma efetiva nos rumos de sua nação.Ficamos com a sensação que de fato temos o poder de transformar nossa realidade por meio do voto, mas se este continua a ser uma moeda de troca, sem a consciência da maioria que o anima, a democracia se torna mero discurso de poder e de perpetuação desse poder.
A injustiça social, em maior ou menor grau, cria uma espécie de deformação nesse componente humano, mais perceptível em países de extremos, como é o caso do Brasil, surgindo assim o que muitos teóricos denominam de “massa”.  No contexto do capitalismo, a questão social, entendida sem aprofundamento teórico, como a contradição e o embate entre o capital e o trabalho, gera uma classe dominante e uma classe de dominados.
A massa é o resultado da exploração impingida por uma classe sobre a outra, e a classe que dita essa dinâmica é conhecida como o que se convencionou denominar de “elite”. A existência das massas é essencial para que a elite continue a desfrutar de todas as regalias e privilégios a ela inerentes dentro de um modelo de Estado preconcebido para esse fim, resquício do Estado liberal burguês. Isso porque as massas não têm cor, não têm forma nem identidade, e nesse passo, podem ser manipuladas.
De toda sorte, não se deve desprezar o poder da massa, tendo em vista que ela é imprevisível, como bem frisa o festejado professor Paulo Bonavides: “Esta atua subitamente nas comoções revolucionárias, nas imensas convulsões sociais. Tem a instantaneidade de um raio nas ocasiões de crise. E aí se distingue da massa adormecida, passiva, que toda sociedade moderna conhece”. (BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, 8ªed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.198).
       A não politização das massas, o deslembrar da sua educação, significa deixá-las a mercê dos demagogos exploradores, que se utilizam de subterfúgios paternalistas, fisiológicos e clientelistas para arregimentar esse contingente e dispor dele ao seu arrepio.     É necessário não perder de vista que o voto se afigura na “maior arma de libertação política e social que o homem moderno já conheceu”.  Mas como se sustentou, repisa-se que o cidadão não pode ser um protagonista que fica na plateia.
            Muitos se autointitulam democratas, batem no peito e bradam aos quatro ventos que representam o povo.   Em período eleitoral a publicidade estatal se encarrega de reforçar a necessidade de se ir às urnas. Contudo, indigitada prática, não balizada em uma educação universalizada, gratuita e de qualidade, cumpre muitas vezes uma função negativa.
            De regra, a maioria do povo, com uma consciência intransitiva, ou no máximo transitiva ingênua, não detém a necessária consciência crítica idônea a compreender o que subsiste por trás de toda a complexidade da aparente singeleza do ato de votar. Porém, há compreensão hialina de que o tal do voto é importante, já que de tempos em tempos um figurão que antes era visto apenas na televisão de terno e gravata, um belo dia aparece em sua casa, de camisa arregaçada, beija suas crianças, toma um cafezinho, entrega um punhado de papelzinho e diz: “vote em mim”. Não é rara, por exemplo, a inclinação de se votar no fulano porque arrumou serviço para um parente, ou no médico beltrano, que antes cobrava consulta caríssima, e com o advento das eleições, atende de graça.
E mesmo se o candidato a cargo eletivo for alvo de uma dessas CPI da vida, criadas muitas vezes pela oposição para utilizar os holofotes da mídia, a chuva de denúncias não impede o êxito nas urnas, haja vista um peculiar discurso eloquente e sedutor que ecoa no campo fértil da ingenuidade alheia.Há também os reconhecidamente “políticos ladrões”, mais eufemisticamente os cleptocratas. No entanto, se são daqueles que “roubam, mas fazem”, está tudo certo, merecem, antiteticamente, um voto de confiança.
Destarte, não há como conceber democracia num cenário em que o povo é forjado para ser uma figura expletiva. Formalmente ele é o todo poderoso, mas substancialmente é semelhante a um convidado de luxo que não consegue participar da conversa porque não sabe sobre o que os demais estão falando, ou simplesmente senta à mesa, mas não come por não saber usar os talheres. Sinto o mesmo enjoo quando vejo apregoarem uma democracia em que impera a fisiologia, alianças espúrias, promoção de salvadores da pátria, falastrões populistas, direitos e garantias meramente formais, personalismos, paternalismos, clientelismos e não sei mais o que “ismos”. E o pior, a cleptocracia que grassa impune.
É óbvio que em toda parte do mundo se observam muitas dessas máculas no comentado regime de governo, mas o que se não pode admitir é a democracia convertida em demagogia pelo fato de o povo não estar intelectualmente preparado suficientemente para entender a importância do “poderoso instrumento do voto”. Deste todo modo, a democracia deve ser defendida sempre com entusiasmo, e reconhecer suas falhas é imprescindível para seu aperfeiçoamento.
“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. (Winston Churchill).
POR JOÃO ROMANO

POLÍTICA E CORRUPÇÃO


O  que explica os antigos, os atuais e futuros e inevitáveis escândalos políticos? O Brasil está estruturado para ser um país corrupto. E continuará sendo um país corrupto pelos próximos cem (100) anos, ao menos.
Exatamente por isso, punir os criminosos envolvidos, embora necessário, é absolutamente secundário como forma de prevenção e repressão de futuros atos de corrupção, afinal problemas estruturais demandam soluções também estruturais. No fundo, castigar criminosos, intervindo sobre indivíduos, e não sobre estruturas de poder, constitui uma medida conservadora que apenas serve para manter as coisas como estão a pretexto de mudá-las.
Além do mais, o sistema penal está estruturado para selecionar sua clientela entre os grupos mais vulneráveis da população, motivo pelo qual os criminosos do poder ficarão impunes inevitavelmente. A lei é como as serpentes. Só picam os descalços.
Se quiséssemos, pois, não dar fim, porque impossível, à corrupção política, mas submetê-la a níveis toleráveis, teríamos de ser radicais no sentido de promover uma reforma política ousada que incluísse, dentre outras coisas: a)extinção do voto obrigatório, reconhecendo-se o direito de o eleitor votar somente quando quiser, se quiser, livremente; b)extinção da Câmara Distrital, passando o Congresso Nacional a deliberar sobre assuntos de sua atual competência; c)extinção de uma das casas legislativas (Senado ou Câmara dos Deputados), estabelecendo um sistema unicameral; d)extinção (irrestrita) do instituto da prerrogativa de foro (foro privilegiado); e)previsão de afastamento preventivo do servidor público diante de denúncia fundada de corrupção ou crime similar; f)redução do número de deputados, pois quantidade não significa mais qualidade nem mais representatividade; g)extinção dos cargos de vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito; h)subordinação da Polícia Judiciária ao Ministério Público, desvinculando-a do Poder Executivo; i)financiamento público de campanha político-partidária; j)adoção do voto distrital.

Por Paulo de Souza Queiroz
Mestre e Doutor em Direito (PUC/SP). Procurador Regional da República. Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Autor do livro Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 5ª edição, 2009 entre outras obra

PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA FORENSE : AVALIANDO A MENTE CRIMINOSA


Os impulsos que movem alguns indivíduos e os impelem aos crimes hediondos, como os imputados aos seriais killers, continuam sendo um dos maiores desafios para criminalistas, psiquiatras e profissionais psicologistas.
O mais famoso assassino em série, talvez tenha sido Jack, o Estripador. Sua verdadeira identidade permanece sendo um dos grandes mistérios das investigações criminais de todos os tempos. Cinco mulheres foram assassinadas de maneira brutal, o que chocou a Londres vitoriana no final do século XIX. De 1966 a 1974, foi a vez da Califórnia estremecer com os crimes daquele que ficou conhecido como “O Zodíaco”. Narcisista, gostava de desafiar a polícia por meio das cartas que enviava aos principais jornais de São Francisco. Atribui-se a ele o assassinato de 37 pessoas. Sua alcunha se deve à prática de desenhar símbolos astrológicos ao lado de suas vítimas. Como Jack, nunca teve sua identidade revelada.
O famoso filme Psicose, do diretor Alfred Hitchcok, foi inspirado nos crimes de Eddie Gleinn. Com 54 anos de idade, depois da morte da mãe repressora e fanática religiosa, o fazendeiro deu início a uma série de crimes hediondos. Na época de sua captura, a morbidez revelada chocou o País. Foi encontrada na sua casa uma extensa coleção de objetos confeccionados com pele humana, um corpo decapitado e o cadáver de sua mãe empalhado. Já o ucraniano Andrei Chikatilo matou e mutilou dezenas de pessoas por vinte anos na ex-União Soviética. Violento e angustiado, tinha como hábito extirpar os testículos de suas vítimas. Foi fuzilado em 1994. A história de John Wayne Gacy Junior talvez seja a mais curiosa dentre os criminosos conhecidos como serial killers. Quando criança era a principal vítima de seu pai, um violento alcoólatra. Aos trinta anos começou a matar homens e garotos. Uma curiosidade: Gacy era palhaço amador nas horas vagas, o que o tornou muito querido pelas crianças do bairro em que morava em Chicago. Na sua casa foram encontrados corpos de 27 pessoas.
Estes e outros casos foram descritos e analisados minuciosamente no inquietante livro Perfil de Uma Mente Criminosa, de Brian Innes, publicado no Brasil pela Editora Escala. Quando nos deparamos com mortes aparentemente sem sentido como estas, que de alguma maneira escancaram nossa vulnerabilidade no mundo, é natural que busquemos explicações científicas, filosóficas ou psíquicas, na ânsia de, ao menos, ordenar e padronizar os motivos de tais atos. A história da humanidade está repleta de crimes hediondos. Nos próximos parágrafos vamos averiguar porque tais crimes são cometidos e tentar responder a esta questão.
PSICOPATIA OU PSICOSE?
Relatos de crimes aterrorizantes são tão antigos quanto a própria civilização. A personalidade dos criminosos que os perpetram passou a ser estudada de maneira mais aprofundada a partir de 1930 na Alemanha. Na ocasião, o psiquiatra Karl Berg empreendeu aquela que é considerada a primeira entrevista com um serial killer, no caso Peter Kürten, descrito como uma pessoa amável que, entretanto, ficou conhecido como o Vampiro de Düsseldorf por ter assassinado e mutilado oito mulheres, entre elas, crianças e adolescentes. O termo “serial killer” foi criado pelo criminalista norte-americano Robert Ressler, especialista em crimes violentos que, após décadas atuando no FBI, ainda hoje presta consultoria à policia federal norte-americana.
Ressler dividiu esses criminosos em três categorias: a primeira seria daqueles que sofrem de psicoses e apresentam sintomas de esquizofrenia, como escutar vozes e sofrer de alucinações, que a partir daí partiriam para a execução dos crimes. O ex-agente do FBI coloca em outro grupo aqueles que sentem um prazer sádico em planejar de maneira metódica o que antecede e o que sucede à morte de suas vítimas. Na terceira categoria estariam os criminosos que apresentam de maneira simultânea as duas características descritas nos grupos anteriores. Outros pesquisadores buscaram, também, classificações que pudessem auxiliar na diferenciação do perfil psicológico dos assassinos. O psiquiatra James de Burguer, por exemplo, acrescenta uma outra categoria à lista de Ressler: os que acreditam que estão livrando a sociedade de algum grupo que representa um desvio de conduta moral, como prostitutas ou homossexuais, ou que personifique alguma ameaça à comunidade.
É importante ressaltar que, apesar da palavra “psicopata” ser comumente relacionada com os assassinos seriais, nem todos podem ser classificados como tal, porque a grande maioria dos psicopatas não apresenta impulsos violentos. Comumente usada no jargão psiquiátrico, a classificação das psicopatias gera discussão entre profissionais dessa especialidade médica. Considerado uma das maiores autoridades da Psiquiatria Forense no Brasil, o médico Guido Palomba há muito anos deixou de usar a palavra, por não achá-la adequada, “de acordo com a etimologia, psicopatia quer dizer uma psique patológica, mas qualquer psicose também significa uma psique com patologias. Acho que o termo mais apropriado é ‘condutopata’. É uma conduta patológica”. Palomba ressalta a diferença de comportamento entre aqueles a quem chama de condutopatas e os psicóticos. “De um lado, você tem os condutopatas, que não deliram nem sofrem de alucinações, mas têm distúrbios de conduta comportamental. Do outro, os que sofrem de psicoses. Estes últimos normalmente apresentam delírios de perseguição, escutam vozes, etc. Psicoses como esquizofrenia e paranoia possuem essas características. Infelizmente, entre o delírio e a realidade, o doente mental fica com a alucinação. Assassinos em série podem ser de ambos os tipos”, explica o médico.
De acordo com o psiquiatra Kurt Schneider, que cunhou o termo “psicopata” nos anos 1940, estes indivíduos teriam como traço mais marcante o uso praticamente exclusivo de suas faculdades racionais em detrimento da afetividade, isto é, um sujeito que não possui a mínima empatia por outras pessoas, as quais serão sempre usadas para que ele obtenha poder, status, diversão, etc. “O condutopata tem de anormal um distúrbio na vontade, ele tem um ‘querer’ patológico. O sentimento é todo voltado para si mesmo, por isso não há culpa. Se você perguntar para o sujeito que tenha cometido algum crime se está arrependido do que fez, ele vai dizer que sim, pois está preso. No entanto, não demonstrará nenhuma ressonância com a sorte da vítima”, esclarece Palomba. Segundo ele, uma a cada 25 pessoas possui algum traço de psicopatia e destes, para cada grupo de quatro indivíduos classificados como tal, apenas um seria mulher. A ciência ainda não tem uma explicação razoável para esta maior incidência entre o sexo masculino.
O perfil psicológico de assassinos do mundo inteiro é o principal foco do livro Perfil de uma Mente Criminosa (Editora Escala, 2009). A obra aborda a questão histórica da Medicina em busca de uma característica física que pudesse apontar a natureza criminosa. Também analisa a inserção da Psicologia nas investigações que contam com a ajuda das teorias de famosos pensadores como Gustav Jung e o pai da Psicanálise, Freud, para entender as mentes criminosas e a importância desta ciência na resolução dos crimes. O leitor poderá conhecer em detalhes as histórias de diversos criminosos, entre eles, Jack, o estripador; O vampiro de Düsseldorf e o Estripador de Yorkshire, entendendo desde o processo de descoberta dos assassinos até a descrição de suas motivações para as atrocidades. Toda a obra vem repleta de imagens, fotos dos incidentes, cartas, fotografia dos assassinos, das vítimas, das armas, entre outras curiosidades
O QUEBRA-CABEÇA
Mas qual fator seria o predominante para desencadear a formação de uma personalidade doentia, capaz de cometer crimes hediondos? “Todos os processos são endógenos”, afirma Guido Palomba. As causas biológicas, segundo o psiquiatra forense, podem ser inúmeras. O médico explica que algum comprometimento do lobo frontal, parental, meningite, anóxia no parto, etc, podem predispor o sujeito a cometer crimes.
Patologias como a epilepsia, por exemplo, são comumente relacionados a crimes hediondos, principalmente aqueles que têm como principais características a ausência de motivos plausíveis para serem cometidos e a ferocidade na execução. Especializado em diagnósticos, Palomba explica, “a epilepsia não é só aquela que normalmente as pessoas conhecem dos quadros em que há desmaio e uma convulsão epilética. Esta é simples de se diagnosticar. Existem as epilepsias psicóticas, que não se refl etem nos músculos, mas atacam o lobo frontal, o que leva, inclusive, o individuo a ter delírios”. Fatores genéticos também devem ser levados em conta nesta equação, segundo o especialista. “Muitas pessoas nascem com a propensão de se tornarem criminosas. Porém, é obvio que não é porque a pessoa possui uma disfunção endógena que vai trilhar este caminho, assim como acredito que apenas uma vivência dolorosa no passado não tem força para criar indivíduos capazes de praticar crimes monstruosos”
Guido Palomba faz coro com a hipótese mais aceita atualmente entre especialistas: a de que o que faz de uma pessoa um verdadeiro criminoso, capaz de atos hediondos, são inúmeros fatores que ocorrem simultaneamente. “Estes processos devem ser analisados a partir de uma ótica biopsicossocial. Se você tem uma predisposição biológica, talvez o fato de contar com aspectos psíquicos, afetivos, sociais e culturais positivos, não seja suficiente para conter aquela pulsão. Por outro lado, às vezes, a predisposição biológica até é pequena e, no entanto, os processos afetivos e sociais são tão negativos que o sujeito parte para o crime”. O psiquiatra alude, ainda, ao fato facilmente observável de que mesmo que criados em uma comunidade violenta e sem o afeto e os cuidados de uma família, a maioria dos indivíduos sem predisposição biológica não se envolvem com crimes.
Baseado em teorias freudianas, que afirmam que o caráter e o comportamento da pessoa se determinam a partir da infância, psicólogos descobriram – entrevistando mais de 30 criminosos – que todos sofreram maus-tratos quando crianças, até mesmo abusos sexuais.
AFETO E LIMITES
A psicanalista Rosana Ferreira Machado compartilha da opinião de que apontar apenas um único fator que explique os comportamentos desses criminosos é insuficiente. “Precisa ter uma série de fatores simultâneos para o sujeito passar a agir como serial killer”, opina. A analista indica um conceito defendido por Melanie Klein como pista para se entender o processo psíquico desses criminosos: “acredito que estas pessoas sofram de uma fixação gravíssima na fase esquizoparanoide, na qual a criança possui uma raiva muito grande que precisa ser dissipada pela mãe”. Rosana ressalta que uma atuação falha da genitora em dotar a criança de uma segurança afetiva, por si só, não explicaria a conduta desses criminosos, mas aponta um dado relavante, “muitas crianças, para poder dar conta de suas angústias, desenvolvem acentuada racionalidade, uma das características da psicopatia”.
É importante frisar que a psicopatia, dentro da nosografia da Psicanálise, não está enquadrada nem na neurose, nem na psicose e nem nas perversões. “Ela pode ser descrita como um conjunto de sintomas em diferentes graus em qualquer estrutura ou organização da personalidade. Talvez as mais próximas sejam as perversões”, explica. “Não só a sexual, mas a social também, no sentindo de burlar normas, cujo traço predominante é o ser perverso”. Outro indicativo sobre o funcionamento da psique dos criminosos diz respeito à formação do superego na infância. “Ele é formado a partir da transgeracionalidade e com a identificação com os superegos dos pais. Se este aspecto da psique dos pais é frouxo, de modo a permitir que a criança faça tudo sem limites, a estruturação estará comprometida. Exemplo comum é daquele em que a criança não é contida nem repreendida em seu sadismo ao matar um animal”. Segundo Winnicott, cuja obra se destaca por seu profundo estudo da psique infantil, toda criança precisa, numa escala progressiva de tempo, ser frustrada de acordo com sua capacidade de suportar a frustração, para que com isso ela se insira na realidade.
TEORIAS PSICOLÓGICAS PARA O CRIME
Recentemente, pesquisadores estavam considerando que o comportamento agressivo poderia estar associado à formação genética, pois haviam descoberto uma combinação de cromossomos que sugeria uma propensão à violência. Contudo, estudos posteriores desvalidaram esta pesquisa e levaram os criminalistas a se valerem da literatura da Psicologia para estudar a mente criminosa. Entre as fontes está Alfred Adler (foto), que desenvolveu o conceito de ‘complexo de inferioridade’. Nele, Adler propõe que o indivíduo deseja sentir-se superior ao outro, para compensar seus próprios sentimentos de inferioridade. Indo contra Freud, ele afirmava que essa ‘vontade de poder’ era normal e mais importante na determinação do comportamento que o impulso sexual primitivo. Em seus estudos, Adler afirmava que o criminoso é um covarde que escapa de problemas que não fora capaz de resolver de forma socialmente aceitável. O estudioso também alertava de que nem a pena de morte poderia dissuadir sujeitos criminosos, uma vez que eles se acham mais espertos que as outras pessoas e desejam sempre a superioridade.
PSICOSE E NARCISISMO
Por outro lado, uma rigidez exagerada na criação de um filho, somada à ausência de afeto, podem vir a ser fortes aliados na formação de uma Psicose, “nestes casos haverá também um comprometimento do superego, pois sua formação depende da presença de afeto”, explica a psicanalista.
REINTEGRAÇÃO POSSIVEL?
Apesar das inúmeras discussões suscitadas desde o final do seculo XIX, muitos psiquiatras vêem com um olhar pessimista a tentativa de inclusão social de criminosos psicopatas. Sobre o tema, Guido Palomba, é categorico: “não há tratamento eficaz para tal patologia. Existem inúmeros casos graves de erro judiciário, nos quais o sociopata é condenado como preso comum. A tendência, quando sair da reclusão, é a repetição da conduta”. O psiquiatra forense é enfático ao chamar a atenção para a gravidade do problema, “não é necessário nem ser especialista para saber que essas pessoas não podem ser recolocadas na sociedade. É preciso rever tudo isso urgentemente”.
A profissional aponta, ainda, estudos que comprovam que muitos dos psicopatas possuem uma fixação narcisista. “As capacidades egoicas deles são deformadas princialmente no que se referem ao juízo crítico”. Dados de uma pesquisa realizada pelo psicólogo Joel Norris com serial killers mostram a infl uência da relação psicoafetiva na infância, com o aparecimento de sintomas perversos. A partir de uma série de detalhadas entrevistas com cerca de 30 criminosos, o estudo revelou que todos sofreram abusos sexuais ou maustratos quando crianças. Na visão do psicólogo e psicoterapeuta existencial Paulo Roberto Reimão Machado, esse pode ser o fator primordial na estruturação do mundo da existência destes criminosos, “para esse tipo de indivíduo, o assassinato não é um meio e sim um fim. Para ele, o ato criminoso tem um sentido. Ele vive num mundo onde esse ato tem um lugar”. Machado opina que, apesar de tais atos serem consequências de uma realidade única e pessoal, isso não isenta o indivíduo do papel que assumiu; ele deve responder pelas ações de acordo com as normas e a cultura do local em que vive. “Infelizmente, ser um criminoso é uma possibilidade aberta para o ser humano nos nossos dias. Aquilo faz sentido para ele. Assim como a bondade, o respeito e a valorização da vida também são possibilidades”.
POR Prof. Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá