"Sem medo da verdade."

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

VOTO NO BRASIL: INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA E DA DEMAGOGIA


Atualmente, embora o Brasil seja reconhecido pela agilidade de suas eleições, modelo no aspecto da informatização, considerada à prova de fraude, impende asseverar que, o voto continua a ser barganhado, uma moeda de troca, subsistem  os currais eleitorais, voto de cabresto, e políticos coronéis existem aos montes.
Continuamos a padecer de uma educação deficiente e indigna, e de uma desigualdade social gritante, e nesse contexto, fundado sobre essa base, o voto permanece sendo utilizado para a manutenção do poder, uma forma de forjar uma legitimidade que se analisada mais a fundo, não se sustenta.
  É força admitir que muitos direitos e garantias se encontram etéreos, dormindo a em estado letárgico do formalismo. O que implica desconsideração da dignidade da pessoa humana, atributo inafastável do ser humano, e que os direitos fundamentais se encarregam de dar suporte.
Muitos dos direitos apregoados não são cumpridos de maneira satisfatória, citando-se alguns deles como saneamento básico, saúde, moradia etc., e que por isso a cidadania fica comprometida, e por corolário, esvazia a força da democracia, pois essa deve ser exercida por cidadãos plenos para que se atinja o escopo precípuo da participação e representação conscientes que reclama a soberania popular.
   É importante a garantia dos direitos na Constituição, e a nossa Carta Magna de 1988 trouxe significativo avanço, foi a primeira no Brasil que colocou no corpo constitucional os direitos fundamentais antes da organização do Estado.    Contudo, soa demagogia expressar tantas garantias e direitos sem que os seus destinatários estejam aptos a exercê-los, basta se atentar para o fato de que temos uma taxa absurda de analfabetismo e pobreza. Fora a falta de instrumentos e mecanismos capazes de operacionalizar a estrutura de garantias constitucionais.
            Se em centros mais desenvolvidos isso se constitui em prato cheio para políticos inescrupulosos, que dirá dos distantes rincões em que ainda impera o domínio dos “coronéis”. Aristóteles quando formulava suas teses acerca das formas puras e impuras de governo, versava que a democracia seria sua forma pura, enquanto a demagogia sua degeneração.
            Dessa forma, afigura-se meio demagógico não providenciar os meios disponíveis para preparar o cidadão para participar de forma efetiva nos rumos de sua nação.Ficamos com a sensação que de fato temos o poder de transformar nossa realidade por meio do voto, mas se este continua a ser uma moeda de troca, sem a consciência da maioria que o anima, a democracia se torna mero discurso de poder e de perpetuação desse poder.
A injustiça social, em maior ou menor grau, cria uma espécie de deformação nesse componente humano, mais perceptível em países de extremos, como é o caso do Brasil, surgindo assim o que muitos teóricos denominam de “massa”.  No contexto do capitalismo, a questão social, entendida sem aprofundamento teórico, como a contradição e o embate entre o capital e o trabalho, gera uma classe dominante e uma classe de dominados.
A massa é o resultado da exploração impingida por uma classe sobre a outra, e a classe que dita essa dinâmica é conhecida como o que se convencionou denominar de “elite”. A existência das massas é essencial para que a elite continue a desfrutar de todas as regalias e privilégios a ela inerentes dentro de um modelo de Estado preconcebido para esse fim, resquício do Estado liberal burguês. Isso porque as massas não têm cor, não têm forma nem identidade, e nesse passo, podem ser manipuladas.
De toda sorte, não se deve desprezar o poder da massa, tendo em vista que ela é imprevisível, como bem frisa o festejado professor Paulo Bonavides: “Esta atua subitamente nas comoções revolucionárias, nas imensas convulsões sociais. Tem a instantaneidade de um raio nas ocasiões de crise. E aí se distingue da massa adormecida, passiva, que toda sociedade moderna conhece”. (BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, 8ªed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.198).
       A não politização das massas, o deslembrar da sua educação, significa deixá-las a mercê dos demagogos exploradores, que se utilizam de subterfúgios paternalistas, fisiológicos e clientelistas para arregimentar esse contingente e dispor dele ao seu arrepio.     É necessário não perder de vista que o voto se afigura na “maior arma de libertação política e social que o homem moderno já conheceu”.  Mas como se sustentou, repisa-se que o cidadão não pode ser um protagonista que fica na plateia.
            Muitos se autointitulam democratas, batem no peito e bradam aos quatro ventos que representam o povo.   Em período eleitoral a publicidade estatal se encarrega de reforçar a necessidade de se ir às urnas. Contudo, indigitada prática, não balizada em uma educação universalizada, gratuita e de qualidade, cumpre muitas vezes uma função negativa.
            De regra, a maioria do povo, com uma consciência intransitiva, ou no máximo transitiva ingênua, não detém a necessária consciência crítica idônea a compreender o que subsiste por trás de toda a complexidade da aparente singeleza do ato de votar. Porém, há compreensão hialina de que o tal do voto é importante, já que de tempos em tempos um figurão que antes era visto apenas na televisão de terno e gravata, um belo dia aparece em sua casa, de camisa arregaçada, beija suas crianças, toma um cafezinho, entrega um punhado de papelzinho e diz: “vote em mim”. Não é rara, por exemplo, a inclinação de se votar no fulano porque arrumou serviço para um parente, ou no médico beltrano, que antes cobrava consulta caríssima, e com o advento das eleições, atende de graça.
E mesmo se o candidato a cargo eletivo for alvo de uma dessas CPI da vida, criadas muitas vezes pela oposição para utilizar os holofotes da mídia, a chuva de denúncias não impede o êxito nas urnas, haja vista um peculiar discurso eloquente e sedutor que ecoa no campo fértil da ingenuidade alheia.Há também os reconhecidamente “políticos ladrões”, mais eufemisticamente os cleptocratas. No entanto, se são daqueles que “roubam, mas fazem”, está tudo certo, merecem, antiteticamente, um voto de confiança.
Destarte, não há como conceber democracia num cenário em que o povo é forjado para ser uma figura expletiva. Formalmente ele é o todo poderoso, mas substancialmente é semelhante a um convidado de luxo que não consegue participar da conversa porque não sabe sobre o que os demais estão falando, ou simplesmente senta à mesa, mas não come por não saber usar os talheres. Sinto o mesmo enjoo quando vejo apregoarem uma democracia em que impera a fisiologia, alianças espúrias, promoção de salvadores da pátria, falastrões populistas, direitos e garantias meramente formais, personalismos, paternalismos, clientelismos e não sei mais o que “ismos”. E o pior, a cleptocracia que grassa impune.
É óbvio que em toda parte do mundo se observam muitas dessas máculas no comentado regime de governo, mas o que se não pode admitir é a democracia convertida em demagogia pelo fato de o povo não estar intelectualmente preparado suficientemente para entender a importância do “poderoso instrumento do voto”. Deste todo modo, a democracia deve ser defendida sempre com entusiasmo, e reconhecer suas falhas é imprescindível para seu aperfeiçoamento.
“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. (Winston Churchill).
POR JOÃO ROMANO

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