"Sem medo da verdade."

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A LEI DA FICHA LIMPA


O MINISTRO DO STF Gilmar Mendes defendeu a aplicação da Ficha Limpa só em 2012 por entender o artigo 16 da Constituição Federal como uma cláusula pétrea que precisa ser respeitada por garantir que determinadas minorias não tenham seus direitos políticos cerceados pelas maiorias quando o processo eleitoral já está em curso, no entendimento de Mendes iniciado um ano antes do pleito. O STF teria, portanto, de agir de forma contra-majoritária para proteger direitos das minorias e a Constituição e a lei complementar n° 135 de 2010 não teria nenhum status diferenciado por ser uma lei originada de iniciativa popular, portanto ela também deveria ser submetida à Magna Carta, segundo Mendes. (BORGES, Laryssa. Gilmar Mendes vota contra a Ficha Limpa em 2010; 4 são a favor. 2011) Luiz Fux foi outro ministro a votar contra a aplicação imediata da norma e isso porque ela teria de se submeter à Constituição, mesmo sendo “um dos mais belos espetáculos democráticos”, para ele tudo era apenas uma questão de técnica judiciária, de submeter a norma inferior à superior.  Assim ela não poderia ser aplicada já nas eleições de 2010, pois assim geraria surpresas no processo eleitoral, “tornando incerto o que era certo”, violando a segurança jurídica que é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito, como diz Luiz  Fux. (BORGES, Laryssa. Fux vota pela validade da lei da Ficha só em 2012. 2011) Os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Dias Toffoli e Cézar Peluso usaram de argumentos muito semelhantes aos de Mendes e Fux para afirmarem que a lei da Ficha-Limpa só valeria nas eleições municipais de 2012 Ronald Dworkin, para que analisemos se a decisão do STF foi acertada e se a visão que temos de Dworkin corrobora ou com a interpretação tecnicista ou com aquela que prioriza a moralidade e  a soberania popular. Dworkin (2003) ao abordar essa concepção do que é o fazer jurídico, não o entende como um mero ato de procura no passado das normas a serem aplicadas no presente ou como estabelecimento de políticas a serem perseguidas no futuro, mas “[que] começa no presente e só se volta para o passado na medida em que o enfoque contemporâneo assim o determine”(DWORKIN, Ronald. Império do Direito. 2003. Pág. 274) e pautada no reconhecimento de que “as declarações do direito são sempre construtivas”(Idem. Op. Cit. Pág.274), de que o direito é algo a ser aperfeiçoado pelos juízes no processo de aplicação das normas. Dworkin, então, na nossa visão, não concordaria com a posição de Luiz Fux de que, para se resolver o impasse da eficácia ou não da lei complementar nº 135 já no pleito de 2010, teríamos de fazer apenas uma técnica de subsunção da norma em questão à Constituição, como se o juiz visse a Carta Magna como algo já posto e insensível as exigências sociais e morais da realidade atual. A decisão tomada pela nossa Suprema Corte, para nós nesse caso, pões os juízes dela como importantes construtores de nossa prática jurídica, seja em suas interpretações  priorizando a justiça abstrata e o devido processo legal, ou o principio da equidade.Os ministros do STF poderiam ter entendido que a comunidade unida por princípios elaborou a Ficha Limpa através do projeto de iniciativa popular por causa da necessidade de moralização da política, ou que, que nossa sociedade valorizava mais uma segurança jurídica dogmática para continuar a construção de um direito estável, não submetido a arbitrariedades, mas que dessa forma se fechava as mutações sociais.
Dworkin vai apontar para nós a melhor maneira de resolver esse impasse, a sua “resposta correta”:
“[...] Poderia, então, decidir que a interpretação em que o Estado insiste no ponto de vista que ele considera correto, mas vai contra os desejos do povo com um todo, é a mais pobre em termos gerais. Em tais circunstâncias, estaria preferindo a equidade à justiça, e essa presença refletiria um nível superior de suas próprias convicções políticas, a saber, suas convicções sobre com um governo decente, comprometido tanto com a equidade quanto com a justiça, deveria decidir entre as duas nesse tipo de caso. [...]” (DWORKIN, Ronald. Império do Direito. 2003. Pág. 299. Grifo nosso.) Hércules então escolheria a equidade, o desejo que a população demonstrou ao apresentar o projeto de lei “Ficha Limpa” ao Congresso de necessidade de moralização da vida pública, porque só assim ele daria uma decisão que faria jus a nossa história de reconstrução democrática iniciada em 1988, pois uma democracia verdadeira só existe quando: a máquina pública não é usada para fins pessoais, o governo é transparente, o político não tem tantas maneiras de se manter impune e assim a população pode fiscalizá-lo de maneira mais eficaz. Optando pela aplicação imediata mostraria a comunidade brasileira unida pelos melhores princípios, pelos princípios da democracia e da moralidade, que caminham lado a lado. Já a opção pela interpretação que privilegia de forma absoluta segurança jurídica é descartada, por que o formalismo excessivo no Brasil só serviu para encobrir desigualdades, manter os poderosos no poder, para a construção de modelos autoritários, ou seja, seria optar por mostrar a comunidade brasileira continuando uma história de imoralidade política e desconsideração da vontade popular. Habermas vai dizer que o direito moderno se caracteriza por nele haver uma “tensão entre facticidade e validade”, ou seja, suas normas se caracterizam por serem cumpridas pelos indivíduos através da imposição de sanções pelo Estado através dos tribunais, quanto por serem consideradas legítimas por eles e assim são aceitas voluntariamente. (HABERMAS, 1997)
A legitimidade de uma lei para Habermas se fundamenta e:
“[...] se mede pela resgatabilidade discursiva de sua pretensão de validade normativa; e o que conta, em última instância, é o fato de elas terem surgido em um processo legislativo racional – ou o fato de que elas poderiam ter sido justificadas sob pontos de vista pragmáticos, éticos e morais[...]” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. Volume I. 1997. Pág. 50.)
O direito só tem então sentido para Habermas se originado em uma democracia discursiva, na medida em que ele mesmo é instrumento de integração social que ocorre por meio de uma troca argumentativa entre os cidadãos, que tem como pano de fundo o “mundo da vida” e na qual os melhores argumentos se impõem e eles podem afirmar sua autonomia ao “supor que eles mesmos, numa formação livre da opinião e vontade política, autorizaram as regras às quais eles estão submetidos como destinatários” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. Volume I. 1997. Págs. 59 e 60) A Ficha Limpa teria, então, uma dupla importância para esse entendimento de Direito Habermasiano. A primeira importância surge porque ela foi um fruto de um projeto de lei que foi apresentado ao Congresso Nacional pela população através de um grupo que procurou sempre, ao recolher o número necessário de assinaturas para ele ser aprovado, conseguir o apoio social através do convencimento pelos melhores argumentos e isso principalmente através da internet.   O Estado Democrático de Direito se fundamenta no fato de que o legislativo toma suas decisões sempre com base nos “melhores argumentos de cunho éticos, morais e pragmáticos” que exprimam a vontade social, como assevera Jürgen Habermas. É uma norma que também surge para impedir que interesses de grupos minoritários, mas economicamente fortes, não encontrem, em representantes corruptos, canais para se imporem. Essa é também outra faceta da tensão entre facticidade e validade no direito, o fato de que ele deve sempre procurar disciplinar as pressões externas, ilegítimas, para que elas também sejam subordinadas ao jogo democrático, segundo Habermas. Assim a Lei da Ficha Limpa surge como uma norma que permite a integração social através da democracia de uma forma mais pura, sem as máculas da corrupção,  algo que permite a um ator social assumir enfoque performativo em relação ao direito como diria Habermas. Concluímos então com Jürgen  Habermas que a lei da Ficha Limpa é de extrema importância porque surgiu da iniciativa popular, a sociedade colocou-se então como autora de seu próprio direito. Já a decisão do STF de adiar sua aplicação para as eleições municipais de 2012 vai contra a verdadeira segurança jurídica, que se reflete na aceitabilidade racional das leis e decisões judiciais, porque desse modo a nossa mais alta Corte engessou o direito e fechou seus ouvidos para os argumentos apresentados pela sociedade. Após analisar as interpretações dos juízes do STF expostas no decorrer do artigo, concluímos que a decisão da maioria destes juízes de adiar a eficácia da lei complementar nº 135 de 2010 foi inapropriada, nas palavras de Dworkin não seria a decisão correta para um caso que envolvia um conflito entre a soberania popular e uma segurança jurídica formalista, entre direitos das minorias e os das maiorias. Isso porque nossa interpretação da teoria de direito de Dworkin, o direito como integridade, faz nos crer que a decisão que deveria ser tomada por nossa Suprema Corte não deveria apenas estar em correspondência com o passado, mas também deve estar em concordância com os preceitos morais do presente, mostrar a prática jurídica como produto de uma comunidade unida pelos princípios mais equitativos, que para nós são os da democracia e da moralidade política. Habermas, para nós, só corrobora essa decisão a qual um juiz Hércules hipotético chegaria no lugar de Fux, porque esse autor vai dizer que o direito tem que ser cumprido por ser legítimo, ser fruto da auto-legislação argumentativa social, e assim a Ficha Limpa não pode tornada ineficaz porque ela é tanto fruto quanto meio dessa auto-legislação, pois a purifica da corrupção. A decisão do STF é que, na verdade, foi contra a verdadeira segurança jurídica, porque se fundamentou em um direito estático, que não se adéqua aos clamores do povo e que não procura a argumentação para promover a integração social. Analisando o modelo de tribunal constitucional de Kelsen, chegamos à conclusão de que se o STF procurasse tomar uma posição, enquanto instituição, de promover debates jurídicos-políticos nos  quais apresentar-se-ão os melhores argumentos até que se chegue a um consenso, em vez de seguir o modelo norte-americano de análise tecnicista e voltado para o espetáculo midiático, ele poderia então agir como um Juiz Hércules que promovesse a integração social. Ressaltemos então que a segurança jurídica não pode ser encarada como um entrave para que a população adéqüe o direito as suas necessidades, mas que o descompasso entre a realidade jurídica e os anseios do povo gera um clima de insatisfação, de frustração no povo, que leva a verdadeira insegurança jurídica, porque não faz sentido seguir um direito que deixa de ser instrumento do homem para ser um fim por si. Para nós, se fosse aplicada imediatamente a Lei da Ficha Limpa tanto se respeitaria a soberania popular quanto a Constituição, porque é nela que se prevê a necessidade de moralização da política a partir de estabelecimentos de critérios que permitam as pessoas escolherem representantes digno. Este é só o passo inicial para que se expulse a corrupção de nosso Estado Democrático de Direito, pois será ainda mais necessário uma maior transparência.
POR Lucas Thalys de Araújo Rocha &  Lucas Souza Pereira

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