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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ESTADÃO: GOVERNO PAGOU R$ 4,6 MILHÕES POR ASSESSORIA A ESTATAL EXTINTA

O Ministério do Esporte pagou R$ 4,65 milhões, sem licitação, para a Fundação Instituto de Administração (FIA) ajudar no nascimento de estatal que foi extinta antes de funcionar. Criada para a Olimpíada do Rio, a Empresa Brasileira de Legado Esportivo Brasil 2016 durou um ano, só no papel: há cinco meses foi decidido que será liquidada. Depois disso, a FIA ainda recebeu R$ 1 milhão
Esporte pagou quase R$ 5 mi em 2011 por consultoria sobre estatal extinta
A Fundação Instituto de Administração (FIA), contratada para desenvolver estudos da Brasil 2016, recebeu pagamentos até 4 meses depois de já ter sido decidido que a empresa seria encerrada
Fábio Fabrini e Iuri Dantas, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Ministério do Esporte pagou R$ 4,65 milhões no ano passado, sem licitação, para a Fundação Instituto de Administração (FIA) prestar um serviço curioso de consultoria: ajudar no nascimento de uma estatal que foi extinta antes de funcionar. Criada em agosto de 2010 para tocar projetos da Olimpíada do Rio de Janeiro, a Empresa Brasileira de Legado Esportivo Brasil 2016 só durou um ano, no papel: há cinco meses foi incluída no Plano Nacional de Desestatização (PND), para ser liquidada.
Conforme o Portal da Transparência, caberia à FIA desenvolver estudos para "apoiar a modelagem de gestão da fase inicial de atividades da estatal". O Esporte fez os pagamentos do contrato em dez parcelas. A primeira e mais cara, de R$ 1,1 milhão, foi transferida à fundação em 4 de março do ano passado. Até 4 de agosto, quando o Conselho Nacional de Desestatização recomendou a inclusão da estatal no PND, foram mais quatro repasses, totalizando R$ 2,4 milhões.
Mesmo após a decisão e o anúncio de que a Brasil 2016 será extinta, a FIA recebeu mais R$ 1 milhão em cinco parcelas, as quatro últimas graças a dois aditivos ao contrato, firmado em 2010. Um deles prorrogou o contrato por quatro meses e o outro corrigiu o valor original em R$ 901 mil. Os desembolsos só cessaram em 27 de dezembro, quatro meses e 23 dias depois de iniciado o processo para dissolver a estatal. Segundo o Esporte, a prorrogação foi para cobrir serviços distintos, sem vinculação com os estudos para criar a empresa pública.
A decisão de extinguir a Brasil 2016 foi tomada após tratativas com o Ministério do Planejamento, com a justificativa de que já havia estrutura suficiente para cuidar da Olimpíada do Rio. Criada por decreto
A empresa tampouco levou adiante obras ou serviços. Na prática, produziu apenas um prejuízo contábil de R$ 109 mil, computado no balanço de atividades de 2010, referente aos jetons (remunerações extras por reuniões) pela participação dos conselheiros em encontros para definir o futuro da estatal. O Esporte explica que, embora presentes no balanço, os valores não foram pagos.
"Não há o que relatar-se no que concerne ao desempenho operacional desta empresa, uma vez que não foram realizadas atividades previstas em seu Estatuto Social, em virtude da inexistência de diretoria executiva, bem como de corpo administrativo que propiciasse o desempenho de suas operações e os seus fluxos de caixa para o exercício findo", assinalou, no balanço, o então ministro Orlando Silva, que presidia o conselho de administração da estatal.
Impostos. O documento, publicado dia 12 de setembro de 2011 no Diário Oficial, registrou que a "não nomeação do representante legal da empresa em tempo hábil" impediu a emissão do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Sem ele, a estatal ficou "impedida de cumprir com suas obrigações tributárias". Ou seja, não pagou impostos, conforme nota emitida por auditores independentes que acompanharam o balanço.
Formada em junho de 1980 por professores da Universidade de São Paulo (USP), a FIA se desvinculou da universidade em 2005 e hoje atua como entidade sem fins lucrativos. Desde 2006, obteve vários contratos com órgãos do governo, que somam ao menos R$ 34 milhões. Só as consultorias ao Esporte, voltadas para eventos como os Jogos Pan-Americanos de 2007, renderam R$ 24,5 milhões, mostra o Portal da Transparência.
Segundo o Planejamento, a inclusão no PND é a forma "legal adequada" para liquidar estatais. Embora a decisão já esteja tomada, há, ainda, a necessidade de uma autorização legal para extinguir a Brasil 2016. O ministério explica que, como a medida provisória que a criou foi convertida em lei pelo Congresso, ainda estuda a forma adequada de fazê-lo. A pasta descartou a possibilidade de privatização.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio informou que o processo da Brasil 2016, que se arrasta há quase meio ano, contém "recomendação de dissolução da sociedade estatal, com a consequente alienação dos seus ativos". A Advocacia-Geral da União (AGU) deu aval jurídico para que os trâmites sigam adiante, disse a pasta. Dados do ministério mostram que empresas privadas em situação regular são extintas em até dez dias no País.

MP investigará contrato firmado com Fundação

O Ministério Público abrirá investigação no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o contrato de consultoria do Ministério do Esporte com a Fundação Instituto de Administração (FIA) para criar a Brasil 2016, estatal extinta antes mesmo de começar a funcionar. De acordo com o procurador Marinus Marsico, a contratação foi "estranha e atípica", havendo indícios de irregularidades.
"Como continuar gastando dinheiro público no nascimento de algo que a própria administração pública está abortando?", questiona, adiantando que o caso será tratado com prioridade e que, nos próximos dias, vai requisitar documentos do processo ao Esporte.
Marinus diz que o uso de dinheiro do contribuinte "para nenhum resultado concreto é um duro golpe no princípio da eficiência". E que, mesmo sendo possível, a dispensa de licitação para um serviço vultoso que, teoricamente, pode ser prestado por várias instituições, atinge o princípio da impessoalidade.
Para o procurador, ao firmar aditivos contratuais que elevaram o preço em quase R$ 1 milhão, o Esporte usou como justificativa um aspecto secundário do contrato - suporte técnico ao acompanhamento das ações necessárias à elaboração do plano-base Rio 2016 -, "que se tornou maior que o principal".
"Certamente há, no mínimo, deficiências sérias no planejamento e na estimativa de custos", afirma. / F. F. e I.D. em agosto de 2010, a estatal nunca chegou a ter sede ou empregados, embora o conselho administrativo - formado por oito altos funcionários federais, entre eles a ministra Miriam Belchior (Planejamento) e o ex-ministro Orlando Silva (Esporte) - tenha se reunido algumas vezes.
Ministério alega que foi ordem da Presidência
O Ministério do Esporte informou que, ao contratar a consultoria, fez o que lhe foi incumbido pela Presidência à época da criação da Brasil 2016, em 2010. Em nota, a pasta explicou que o serviço foi prestado "independentemente do desfecho que futuramente teria a empresa".
O Esporte alega estar amparado na Lei de Licitações (n.º 8.666/93) para contratar a Fundação Instituto de Administração (FIA) com dispensa de licitação. "Nessas situações, o ministério faz pesquisa de mercado, inclusive comparando valores de contratos semelhantes, quando é o caso. Os Jogos Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos não são uma rotina da administração pública brasileira e, por isso, o governo busca assessoria especializada" , justificou.
"Suporte técnico". Questionado sobre qual utilidade teve a consultoria para a criação da estatal, o ministério respondeu que "os estudos subsidiaram decisões, sugeriram alternativas para contribuir com os debates que ocorreram nos governos federal, estadual e municipal, e deram apoio aos gestores dos três entes para a tomada de decisões mais adequadas".
Sobre os aditivos contratuais e os pagamentos após a decisão de extinguir a Brasil 2016, a pasta argumentou que o contrato também previa suporte técnico e acompanhamento das ações do governo federal para elaborar o macroplanejamento e o plano-base para a Olimpíada, fora atendimento aos entes envolvidos na organização do evento em reuniões.
Segundo o Esporte, o primeiro aditivo estendeu em quatro meses o prazo de vigência para elaboração do plano-base e o segundo corrigiu o valor inicial do contrato.
"Foram feitos pagamentos referentes ao aditivo da parte do contrato destinada ao acompanhamento do plano olímpico, que não têm relação com os estudos ou gestão ou qualquer outra ação relativa à empresa Brasil 2016", sustentou. / F. F. e I.D.
Autor: O Estado de S. Paulo

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