Pesquisa comprova que um grande número de caminhoneiros usa medicamentos, álcool e até drogas para compensar o cansaço e a falta de sono. Quem costuma pegar uma estrada conhece bem o medo de enfrentar um caminhão desgovernado.
O semblante no retrovisor é a marca de uma época que o caminhoneiro Gilton Antônio Gonçalves quer deixar para trás. O motivo está na cara: rugas, olhos avermelhados, envelhecimento precoce. “Hoje aparento uns 50 anos”, diz.
Gilton tem 43 anos. O caminhoneiro atribui a rápida mudança na fisionomia ao rebite, remédio que tomava por conta própria para ficar sem dormir e trabalhar mais. “Eu cheguei a tomar até cinco em uma noite. Você acha que está descansado e não está. Já aconteceu chegar a um pátio de posto e não saber nem para onde estava indo”.
O caminhoneiro conseguiu se livrar do vício, mas 19 entre 100 colegas de profissão dele assumiram que toda semana tomam os tais comprimidos que tiram o sono.
Um estudo sobre o perfil dos caminhoneiros no país revelou ainda que 44% dos motoristas de caminhão consomem bebida alcoólica nas estradas, e 8% usam drogas.
A pesquisa também mostrou que o caminhoneiro faz da boleia a própria casa. Passa mais tempo no caminhão do que com a família, e o que é mais preocupante: nunca dormiu tão pouco e tão mal. “Vários motoristas disseram para a gente que já tiveram situações de amnésia relâmpago, ou seja, tentaram se lembrar do que aconteceu nos últimos dois minutos da viagem e nada passou na cabeça deles. Foi um vazio completo”, afirma o coordenador de logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Rezende. Para um especialista no assunto, o médico Dirceu Campos Valladares Neto, não é amnésia relâmpago.
Os caminhoneiros estão dormindo ao volante de olhos abertos. “Eles vão no automático. Se não tiver nada, nenhum evento novo acontecendo, eles podem até transitar por um período sem problema. Mas se alguém vier com uma novidade no cenário ele não vai ter condições de ter controle sobre aquela condição”, afirma.
O caminhoneiro Walter Bruno, de 69 anos, já viu de tudo nas estradas. “Parei e falei com o companheiro: ‘agora você pega que eu vou dormir um tiquinho’. Dormi umas quatro, cinco ou seis horas. Quando acordei, nós estávamos no mesmo lugar. Ele não tinha saído, dormiu também, dormiu outra vez. Sentou lá, com o caminhão parado, e ele dormindo e o caminhão funcionando”, contou. “O caminhoneiro dorme hoje em média cerca de quatro a seis horas. É pouco para quem tem uma profissão dessas. Deveria ser no mínimo nove horas de sono”, explica Paulo Rezende.
Mas por que o caminhoneiro não pega no sono e dorme direito? A falta de tempo aparece no topo das justificativas.
A pesquisa mostrou que para chegar na hora certa, sem ser multado por excesso de velocidade, o caminhoneiro tem que diminuir o período de descanso para aumentar o tempo ao volante. “Salário de motorista de caminhão é mixaria. Então, ele tem que rodar dia e noite para poder ter um salário melhor. É comissão”, afirma o presidente do Sindicato da União Brasileira de Caminhoneiros e Afins, José Natan Emídio Neto. O caminho capaz de levar a uma estrada mais segura passa pela consciência da nova geração. Caminhoneiros jovens que não bebem, não se drogam e não são aceitam a pressão por prazos desumanos, segundo o Sindicato que representa o setor.
Ivan Couto dos Santos, de 26 anos, faz parte desse time. “Eu quero ser o reflexo de um novo país que está nascendo nas estradas”.
G1
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