"Sem medo da verdade."

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

ZÉ EDUARDO DIZ QUE ABSOLVERIA SARNEY E VIRGILIO E PREVÊ "ELEIÇÃO DIFÍCIL", CONTRA PSDB



Candidato à presidência do PT – cargo que considera "um tremendo abacaxi" – pela tendência majoritária Construindo um Novo Brasil, o geólogo José Eduardo Dutra Prevê, em entrevista ao Estado de S. Paulo, "uma eleição dura, muito difícil" na sucessão de Lula em 2010. Desenha o quadro de uma candidatura de oosição do PSDB, "seja o candidato Serra ou Aécio"; e diz que "se Ciro for candidato a presidente e Marina sair do PT para entrar na disputa, eles não vão ser tratados como oposição".
Dutra deixa nesta segunda-feira (17) o comando da BR Distribuidora. Ex-senador (PT-SE) e ex-presidente da estatal petroleira, Dutra é tido como o favorito na votação interna para escolher o presidente petista, no Processo de Eleições Diretas (PED) que acontece no próximo dia 22 de novembro.

Ex-senador, Dutra opina que não há "provas robustas" para cassar ninguém no Senado e não se deve fazer render a crise. "Se eu fosse senador, votaria pelo arquivamento de todas as representações que estão hoje no Congresso contra Sarney e contra Virgílio", afirma.Na entrevista, Dutra prevê uma "eleição dura" em 2010, onde deve ter papel importante na campanha de Dilma Rousseff, caso chegue ao comando do PT.

Minimiza os efeitos pró-oposição caso a senadora Marina da Silva (PT-AC) se lance à Presidência pelo PV, pois "não combina com a trajetória de Marina fazer campanha de oposição". E aconselha o PT a ser pragmático, para não ficar "ficar eternamente na utopia de esperar que, quando a revolução chegar, os puros e a classe operária tomarão o governo". Veja a íntegra:


O Estado de S. Paulo - Por que o sr. vai deixar o comando de uma estatal poderosa como a BR Distribuidora para ser candidato à presidência do PT, cargo visto como ''abacaxi'' até por petistas?

José Eduardo Dutra - Essa foi a pergunta que minha mãe fez. Ela me ligou perguntando se eu não tinha juízo. Brincadeiras à parte, sou um homem partidário. O meu projeto é político. Sei da responsabilidade, sei que é um tremendo abacaxi (risos), mas acho que a vida da gente também precisa de desafios. Estou com muita disposição de ser presidente do PT.

Estado - Se o sr. for eleito, terá de comandar a primeira eleição presidencial disputada pelo PT sem Lula, além de dirigir um mosaico de tendências internas. A ministra Dilma não tem experiência eleitoral. Não é muito desafio?

Dutra - A ministra Dilma pode ser excelente candidata e uma excelente presidente da República. Eleição se aprende disputando. O fato de pela primeira vez o nome de Lula não estar na cédula aumenta a responsabilidade do PT. As correntes do PT, que eu conheço muito bem, terão de pôr seus melhores quadros para dirigir o partido. Esse cenário tanto é importante na hipótese de vitória, porque o PT precisa ter protagonismo, quanto até mesmo - deixa eu bater na madeira (bate três vezes na mesa) - no caso de derrota, para reaglutinar a tropa.

Estado - Qual será o mote da campanha do PT? Na oposição, o partido atacava os juros altos, o ajuste fiscal, mas no governo fez tudo o que criticava. Como explicar a mudança?

Dutra - Mudaram o mundo, o Brasil e o PT. No governo, muitas vezes a gente vê que a vontade política se choca com a realidade. Na economia, por exemplo, você não dá cavalo de pau. Nossa campanha vai ser de defesa de um terceiro mandato para esse projeto. Queremos comparar os oito anos do governo do PSDB com os nossos oito anos. A oposição passou seis anos chamando o Bolsa-Família de Bolsa-Esmola e agora diz que vai ampliar o Bolsa-Família.

Estado - O governo defende a permanência do presidente do Senado, José Sarney, em nome da aliança para 2010. Vale tudo pelo PMDB?

Dutra - Em política não existe vale tudo. A questão do Sarney não tem a ver com uma discussão sobre 2010. Se eu fosse senador, votaria pelo arquivamento de todas as representações que estão hoje no Congresso contra Sarney e contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio. Está havendo um processo de banalização das representações por quebra de decoro. O único caso de cassação da história do Senado foi o de Luiz Estevão, em 2000, depois que uma CPI investigou aquela questão do TRT de São Paulo (desvio de R$ 169 milhões nas obras do tribunal). Para alguém ser cassado tem de haver um processo em que as provas sejam robustas.

Estado - As provas não são robustas?

Dutra - Eu acho que não é motivo para cassação. Houve, durante certo tempo, um processo de visão privada dos benefícios do Senado. Vou dar um exemplo concreto: o uso das passagens aéreas. Eu fui senador e, quando a gente chegava no Congresso, era transmitido a nós, quase de forma tácita, que aquele crédito era propriedade do parlamentar, como se fosse um aditivo salarial. Todos usavam essa cota para trazer parente e sindicalista para eventos em Brasília. Do ponto de vista da origem do benefício, todos os que o utilizaram teriam, em tese, motivo para ter o mandato cassado.

Estado - E o sr. usou sua cota para parente?

Dutra - Usei, claro. Usava para trazer esposa e filho para Brasília, como todo mundo. Posso afirmar com absoluta convicção que não há exceção. Era uma cultura do Senado, que vigorou por muito tempo, mas que não se coaduna com as exigências éticas que a sociedade desenvolveu. Se fôssemos execrar essa prática, muitos ícones da moralidade seriam execrados.

Estado - Quem?

Dutra - Não vou citar nomes aqui. O Conselho de Ética não tem instrumentos para fazer investigação. A Constituição deveria ser mudada para acabar com essa história de cassação por quebra de decoro. Na maioria dos países, o parlamentar é julgado pelo Judiciário e, se for condenado, perde o mandato. O conceito de decoro é mutável ao longo do tempo. Ninguém imaginaria, por exemplo, que um parlamentar fosse cassado por quebra de decoro porque tirou uma foto de ceroulas. E isso aconteceu em 1950. Hoje, qualquer processo contra parlamentar fica ao sabor de maiorias ou minorias. Isso é muito perigoso.

Estado - O sr. propõe a extinção do Conselho de Ética?Dutra - Acho que é possível mantê-lo, mas com outro modelo. No caso daqueles xingamentos no plenário, por exemplo, o conselho poderia dar advertência, censura pública. Agora, o processo para cassar Sarney é um ato político. Da mesma forma que a representação do PMDB contra Arthur Virgílio é um ato político.Estado - O sr. defende o acordão para sair da crise...

Dutra - Não pode ser um acordão do tipo "você livra o meu que eu livro o seu e fica tudo como está". A opinião pública espera uma resposta do Senado enquanto instituição. Não podemos continuar nesse ramerrame porque, em última instância, o que fica mal é a imagem do Congresso. Fala-se que lá é uma fábrica de pizza quando, na verdade, há uma banalização do processo de quebra de decoro. O PT não votou em Sarney para presidente do Senado, nunca contemporizou com irregularidades na Casa e defende a apuração de todos os episódios. Agora, por que o DEM, que votou em Sarney e sempre teve a primeira secretaria, resolveu dizer que Sarney tem de se afastar? Isso não é discussão de ética coisa nenhuma. É discussão política.

Estado - Apesar do esforço do presidente Lula para lançar apenas um candidato da base aliada ao Planalto, a senadora Marina Silva deve entrar na disputa pelo PV e o deputado Ciro Gomes pode sair pelo PSB. Esse racha na base não prejudica a candidatura da ministra Dilma?

Dutra - Ciro acha que é equivocada a estratégia de estabelecer já no primeiro turno uma eleição plebiscitária e entende que, num confronto Dilma versus Serra (governador de São Paulo, José Serra), existe risco de Serra ganhar no primeiro turno. Eu concordo com o presidente Lula e acho que o melhor é o modelo plebiscitário. Se Ciro for candidato a presidente e Marina sair do PT para entrar na disputa, eles não vão ser tratados como oposição. Ciro está credenciado a ser candidato a presidente, a vice, a governador... Ele e Marina foram ministros, ajudaram o governo e vamos trabalhar para que a gente esteja junto no segundo turno.

Estado - Marina deixou o governo dizendo que perdia a cabeça, mas não o juízo e teve sérias divergências com Dilma. O sr. não teme um confronto na campanha?

Dutra - Eu tive com Marina uma conversa muito franca, na terça-feira. Fui claramente pedir para ela não sair do PT. É lógico que, se ela for candidata, fará uma campanha em defesa de um projeto estratégico de desenvolvimento sustentável. Mas não combina com a trajetória de Marina fazer uma campanha de oposição. Seria uma coisa muito artificial.

Estado - Mas ela tem várias críticas ao governo....

Dutra - Ah, críticas ao governo todos nós temos... (risos)

Estado - É mesmo?

Dutra - Durante um tempo o juro tinha que cair mais rápido, ou o superávit primário. Quando eu era presidente da Petrobras, sempre brigava internamente contra a inclusão da empresa no superávit primário. Isso só saiu agora. Divergências entre ministros são normais, mas candidatura de oposição é a do PSDB, seja o candidato Serra ou Aécio (Neves, governador de Minas). Em qualquer cenário vai ser uma eleição dura, muito difícil.

Estado - Há estados onde o PT e o PMDB vivem às turras, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia. Se o sr. for eleito, vai enquadrar o PT em nome da aliança com o PMDB?

Dutra - Não é um processo de enquadramento. O projeto nacional não pode se subordinar às lógicas dos estados, mas também precisamos ter sensibilidade. Não dá para impor uma camisa de força.

Estado - O sr. acha que o eleitor entende a aliança de Lula com adversários históricos, como Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho e Fernando Collor? Tem explicação?

Dutra - O fato de estarmos hoje aliados a adversários históricos é decorrente de um processo de política em que um governo, para estabelecer o seu programa e seus planos, precisa ter maioria estável no Congresso. Para isso é preciso alianças. O atual modelo de eleição, com financiamento privado, leva a essa situação em qualquer governo. Isso valeu para o PSDB, para o governo Lula e, se não houver reforma política, valerá para o próximo.

Estado - O PT foi engolido pelo pragmatismo do governo Lula?

Dutra - Qualquer partido, em determinado momento de sua história, seja no governo ou na oposição, tem de ser pragmático. Ou então vamos ficar eternamente na utopia de esperar que, quando a revolução chegar, os puros e a classe operária tomarão o governo. A partir do momento em que o PT passou a ocupar espaços na institucionalidade, teve de se amoldar à institucionalidade.

Estado - Mas não se amoldou demais?

Dutra - Quem vai definir se o PT se amoldou demais e rompeu com sua tradição e prática é o eleitor. O PT tem crescido. Mesmo na eleição de 2006, quando o partido ficou na berlinda e foi submetido a tremendo cerco político, aqueles que vaticinaram o fim da nossa raça acabaram tendo de ver uma eleição de 80 deputados...

Estado - Depois do escândalo do mensalão, o PT passou uma borracha no assunto e nunca fez investigação para punir os responsáveis. Ainda é possível falar em ética no PT, mesmo sem esse acerto de contas?

Dutra - Não é questão de acerto de contas. Houve uma constatação de equívocos maiores ou menores, de desvios coletivos e individuais, à luz do que foi apurado, mas o fato é que existe um processo de julgamento de uma série de filiados. O Judiciário tem instrumentos muito mais eficazes para apreciar a culpabilidade de uma pessoa do que um partido. Agora aprovamos um código de ética, bastante rigoroso.

Estado - E há quem diga que já virou letra morta...

Dutra - Não. A aprovação do código de ética é o resultado positivo daquele episódio. Não varremos nada para debaixo do tapete.

Estado - O governo alega que a CPI da Petrobras só está sendo feita porque a oposição não tem discurso. Não é relevante saber por que a Petrobras mudou seu regime tributário e deixou de recolher R$ 1,14 bilhão em impostos no ano passado?

Dutra - Essa história é risível. O que há é uma lei criada a partir de medida provisória de 2001, que visava justamente proteger as empresas que tinham ativo no exterior das mudanças abruptas de câmbio. A CPI é claramente uma ação política e um instrumento da oposição, que eu não condeno. Agora, o PSDB está batendo num ícone do país. A Petrobrás é uma das joias a serem mostradas pelo governo Lula. Ela descobriu o pré-sal, deu um salto e está hoje entre as quatro maiores empresas de petróleo do mundo.

Estado - O PSDB nega que tenha defendido a privatização da Petrobras....

Dutra - Por mais que falem que não querem privatizar, eles utilizaram uma peça de marketing eleitoral ridícula, que foi aquela camiseta do Alckmin (Geraldo Alckmin, então candidato do PSDB à Presidência), em 2006, com adesivo da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Quando cheguei na Petrobras constava do plano estratégico vender as duas fábricas de fertilizantes que a empresa tem em Sergipe e na Bahia. Fazia parte do plano estratégico, também, vender uma parte da refinaria Duque de Caxias, no Rio. Esse era o modelo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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