LUIZ FLÁVIO GOMES*
No programa Altas Horas, Pedro Bial, o
apresentador do BBB, disse: “Gosto de ver coisa ruim na TV”. Boni,
cujo filho, Boninho, dirige o BBB, perguntou: “Então você assiste o BBB”.
Pedro Bial, dando nome aos que participam e assistem ao programa, respondeu:
“Eu não assisto porque não gosto de me ver. Mas, para domar o formato, tive de
me despir da condição de jornalista e ser Zé Mané junto com os outros”. O BBB,
então, é coisa de “Zé Mané”?
Tocqueville (nobre francês que foi estudar a
democracia norte-americana), em 1840, escreveu: “Vejo [na democracia] uma
multidão inumerável de homens semelhantes e iguais que giram, sem descanso,
sobre si mesmos para procurarem pequenos e vulgares prazeres com os quais
preenchem suas almas”.
Será que o “Zé Mané” a que se refere o Pedro Bial
(certamente com exceção da Luíza que está no Canadá!) corresponderia a esse
tipo de homo democraticus, guiado pela vulgaridade, que significa
mediocridade moral e decadência do bom gosto?
Os moralistas, os árbitros da elegância, os
aristocratas e os burgueses da elite nunca aceitaram a cultura da vulgaridade,
mas não se pode esquecer que ela é co-irmã da cultura da igualdade e marca
registrada da democracia.
O Ocidente inventou muitas coisas fantásticas nos
últimos três séculos: as ciências, o Estado de Direito e a democracia estão
dentre essas inovações. Democracia (igualdade, liberdade e fraternidade, da
Revolução francesa) significou a derrubada da aristocracia e monarquia. A
desigualdade formal e material era a regra. Com a democracia veio a igualdade
(pelo menos formal). E com essa igualdade surgiu como cultura preponderante a
vulgaridade, que ganhou força inigualável com o advento da televisão, em meados
do século XX.
O ser humano do século XXI (ser humano massa) tem bons
motivos para comemorar a evolução fantástica ocorrida em relação às liberdades
(o progresso moral, nesse campo, é inequívoco), mas com frequência cai na
tentação de não fazer bom uso dessa liberdade, gerando excentricidades e
grosserias típicas do mundo medieval.
Incentivar ou programar ou transmitir (sem tomar
nenhuma providência) cena de estupro (real ou simulada), onde um homem estaria
abusando de uma mulher, em estado de inconsciência, claro que retrata uma
bizarrice brutal, que poderíamos chamar de TELEVIDIOTICE.
Em casos recentes desse tipo de barbárie os
anunciantes do programa foram os primeiros a tirar o time de campo (isso
ocorreu, por exemplo, com o grotesco jornal inglês News of the World, de
propriedade de Rupert Murdoch, que foi fechado em julho de 2011). Paralelamente
acontecia a reprovação geral do público.
Agora que temos as redes sociais, é chegado o momento
de nos emanciparmos de nós mesmos (da nossa democrática e igualitária vulgaridade),
buscando o status de cidadãos envolvidos com o destino da polis
e da democracia, por meio da exemplaridade (Javier Gomá), dando vida a um novo
modelo de democracia como projeto de uma civilização igualitária, fundada em
bases finitas. Podemos nos valer das redes sociais para nos posicionar pela
construção de uma nova paideia (formação cultural), que censure os
abusos da liberdade (especialmente a de expressão) e que lute pelo
desenvolvimento de sentimentos e costumes coletivos fundadores de uma saudável
e viável vida comunitária.
O ser humano democrático contemporâneo deveria
refletir seriamente sobre a necessidade de autolimitação do seu “eu” subjetivo
dotado de direitos e liberdades, dominando os seus instintos corporais mais
animalescos e eliminando do seu cotidiano as excentricidades e extravagâncias
nefastas, dando evidências da sua urbanização, que consiste na eleição da
civilização e recusa, ao mesmo tempo, da barbárie.
Há fortes razões para que nós reformulemos nosso
estilo de vida, tornando nossa polis atrativa para a convivência
humana, ou seja, livre da anarquia e da anomia (ausência de regras ou desprezo
às regras). Um bom exemplo poderia ser dado desde logo pelas emissoras de
televisão, que deveriam ser pressionadas pelos anunciantes e pela opinião
pública para participarem de uma nova paideia (formação cultural),
fundada na civilização, na cidadania, na democracia e na exemplaridade. Quem
vai dar o pontapé inicial nesse grandioso empreendimento de reformulação do ser
humano?
* LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede
de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz
Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001).
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