O Big Brother Brasil, a Baixaria Brega do Brasil, faz de todos os telespectadores voyeurs de
cenas protagonizadas na realidade de uma casa ocupada por pessoas que
expõem publicamente suas zonas de vida mais íntima, em busca de dinheiro
e sucesso. Tentei acompanhar o programa. Suportei apenas dez minutos: o
suficiente para notar que estes violadores da própria privacidade falam
em péssimo português obviedades com pretenso ar pascaliano, com jeito ansioso de serem engraçadamente profundos.
Mas
o público concede elevadas audiências de 35 pontos e aciona, mediante
pagamento da ligação, 18 milhões de telefonemas para participar do
chamado "paredão", quando um dos protagonistas há de ser eliminado. Por sites
da internet se pode saber do dia-a-dia desse reino do despudor e do mau
gosto. As moças ensinam a dança do bumbum para cima. As festas abrem
espaço para a sacanagem geral. Uma das moças no baile funk bebe sem
parar. Embriagada, levanta a blusa, a mostrar os seios. Depois, no
banheiro, se põe a fazer depilação. Uma das participantes acorda com
sangue nos lençóis, a revelar ter tido menstruação durante a noite.
Outra convivente resiste a uma conquista, mas depois de assediada cede
ao cerco com cinematográfico beijo no insistente conquistador que em
seguida ridiculamente chora por ter traído a namorada à vista de todo o
Brasil. A moça assediada, no entanto, diz que o beijo superou as
expectativas. É possível conjunto mais significativo de vulgaridade
chocante?
Instala-se
o império do mau gosto. O programa gera a perda do respeito de si mesmo
por parte dos protagonistas, prometendo-lhes sucesso ao custo da
violação consentida da intimidade. Mas o pior: estimula o telespectador a
se divertir com a baixeza e a intimidade alheia. O Big Brother explora
os maus instintos ao promover o exemplo de bebedeiras, de erotismo tosco
e ilimitado, de burrice continuada, num festival de elevada
deselegância.
O
gosto do mal e mau gosto são igualmente sinais dos tempos,
caracterizados pela decomposição dos valores da pessoa humana, portadora
de dignidade só realizável de fixados limites intransponíveis de
respeito a si própria e ao próximo, de preservação da privacidade e de
vivência da solidariedade na comunhão social. O grande desafio de hoje é
de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por
satisfazer necessidades sensíveis.
Proletários do espírito, uni-vos, para se libertarem dos grilhões da mundialização, que plastifica as consciências.
Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras.
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