Em
poucos países a classe política se distingue por sua alta categoria
ética e cultural. No Brasil, ela em geral é mal vista, podendo-se dizer
que a política é geralmente considerada atividade desabonadora para quem
nela milita.
Uma
situação dessa natureza põe em risco a causa democrática, pois esta tem
nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os
representantes da coletividade na órbita do Estado, dos vereadores aos
senadores. Daí a necessidade de seu estudo.
A
classe política é uma das formas de “classe intelectual”, que surgiu no
fim da Idade Média, como reflexo da vida universitária, ao tempo da
Escolástica. Quando um pensador se desliga da Escola Medieval e passa a
atuar de maneira autônoma, passa a ser propriamente um intelectual, como
seriam, por exemplo, Montaigne e Machiavelli. As nossas agremiações políticas cuidam mais de resultados eleitorais, e não de matéria relativa aos poderes do Estado.
Compreende-se,
por isso, que a Constituição de 1988, tão rica em tantos assuntos, não
tenha sequer estabelecido “sistema de poder”, ou seja, forma de governo,
de tal forma que não somos parlamentaristas, nem presidencialistas, ou
mesmo uma combinação inteligente desses dois regimes.
O
pior é que, entre nós, homens de Igreja tornam-se políticos, sem na
realidade o serem, e o mesmo acontece com outras formas de atividade.
Se
houvesse preocupação pela problemática política no plano ideológico ou
das idéias gerais, seria suprida a falta de forma de governo, ou, por
outras palavras, de nossa consciência de classe política, tal como o
exige a democracia.
Como
se vê, a situação é deveras grave, pois, repito, sem classe política,
com um mínimo de preparo teórico, não existe regime democrático.
O
resultado negativo temos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal,
que não legislam, preferindo-se atividades de mostração, sem se cuidar
de projetos de lei que a opinião pública há vários anos reclama.
O
último recurso estará na renovação dos quadros parlamentares, o que
pressupõe, porém, mudança no eleitorado. Isto posto, recaímos no tema da
classe política...
O
problema parece insolúvel, visto como, mais uma vez, a saída está na
educação, havendo necessidade de “curso de cidadania”, não digo no
ensino fundamental, mas pelo menos no ensino médio, sem prejuízo de
também se recorrer ao curso universitário, que, qualquer que seja o seu
objeto, não é incompatível com a relevância da questão que estamos
abordando.
De
outra forma, continuaremos a dizer que o povo brasileiro não possui o
mínimo de cultura política, sem o qual os Poderes Legislativo e
Executivo não logram alcançar os objetivos para os quais foram
constituídos.
Por
outro lado, não devemos esquecer como teremos uma via bem mais precisa,
que é a da mídia, sobretudo da televisão, com programas adequados, não
somente chamando a atenção para o público, mas dando noções básicas de
Política, mostrando quais são os requisitos para que forme nossa classe
política.
As
empresas de televisão são concessionárias de serviço público, de tal
modo que o Poder Público poderá obrigá-las a participar desse campanha
inadiável. Estou convencido de que esse caminho é o que mais resultados
nos pode fornecer, com benefícios até mesmo no plano do Legislativo,
onde parlamentares há desprovidos de conteúdo político adequado.
O
eleitorado tem direito de ser freqüentemente informado sobre o destino
de seu voto, se foi ou não para parlamentar ativo, quer no estudo de
projetos de lei, quer de emendas úteis. A televisão e o rádio poderiam
dar informações a respeito, auxiliando, assim a formação de uma
verdadeira classe política, na qual surgirão, a seu tempo, uns grandes
estadistas.
MIGUEL REALE .
Doutor em Direito, catedrático de Filosofia do
Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo.
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